Aires de Libertad

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    Mensaje por Maria Lua Sáb Oct 31, 2020 11:04 pm



    Poema publicado em 1973, no livro As impurezas do branco de Carlos Drummond de Andrade que neste vídeo é recitado pelo próprio autor.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Oct 31, 2020 11:46 pm

    O homem; as viagens


    O homem, bicho da Terra tão pequeno
    chateia-se na Terra
    lugar de muita miséria e pouca diversão,
    faz um foguete, uma cápsula, um módulo
    toca para a Lua
    pisa na Lua
    planta bandeirola na Lua
    experimenta a Lua
    civiliza a Lua
    humaniza a Lua.


    Lua humanizada: tão igual à Terra.
    O homem chateia-se na Lua.
    Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
    Elas obedecem, o homem desce em marte
    pisa em Marte
    experimenta
    coloniza
    civiliza
    humaniza Marte com engenho e arte 


    Marte humanizado, que lugar quadrado.
    Vamos a outra parte?
    Claro - diz o engenho
    Sofisticado e dócil.
    Vamos a vênus.
    O homem põe o pé em vênus,
    Vê o visto - é isto?
    Idem
    Idem
    Idem.

    O homem funde a cuca se não for a júpiter
    Proclamar justiça junto com injustiça
    Repetir a fossa
    Repetir o inquieto
    Repetitório.

    Outros planetas restam para outras colônias.
    O espaço todo vira terra-a-terra.
    O homem chega ao sol ou dá uma volta
    Só para tever?
    Não-vê que ele inventa
    Roupa insiderável de viver no sol.
    Põe o pé e:
    Mas que chato é o sol, falso touro
    Espanhol domado.

    Restam outros sistemas fora
    Do solar a col-
    Onizar.
    Ao acabarem todos
    Só resta ao homem
    (estará equipado?)
    A dificílima dangerosíssima viagem
    De si a si mesmo:
    Pôr o pé no chão
    Do seu coração
    Experimentar
    Colonizar
    Civilizar
    Humanizar
    O homem
    Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
    A perene, insuspeitada alegria
    De con-viver.









    *******************




    El hombre; los viajes


    Hombre, bicho de la Tierra, tan pequeño
    se aburre en la Tierra
    lugar de mucha miseria y poca diversión,
    hace un cohete, una cápsula, un módulo
    se va a la Luna
    pisa la Luna
    planta banderín en la Luna
    experimenta la Luna
    civiliza la Luna
    humaniza la Luna.


    Luna humanizada: tan parecida a la Tierra.
    El hombre se enoja en la Luna.
    Vamos a Marte, ordena a sus máquinas.
    Obedecen, el hombre desciende a Marte
    pisa en Marte
    experimenta
    coloniza
    civiliza
    humaniza a Marte con ingenio y arte 


    Marte humanizado, qué lugar tan cuadrado.
    ¿Nos vamos a otro lado?
    Por supuesto - dice el ingenio
    Sofisticado y dócil.
    Vayamos a Venus.
    El hombre pone su pie en Venus,
    Ve lo visto, ¿es eso?
    Ídem
    Ídem
    Ídem.


    El hombre se hunde la cabeza si no va  Júpiter
    Proclamar justicia junto con injusticia
    Repite el vacío.
    Repite el inquieto
    Repetitivo.


    Quedan otros planetas para otras colonias.
    Todo el espacio se convierte en Tierra.
    El hombre llega al Sol o da un paseo
    ¿Solo para verte?
    No ve que el inventa
    Ropa espacial para vivir en el Sol.
    Pon un pie y:
    Pero que aburrido es el Sol, falso toro 
    español domesticado.


    Otros sistemas quedan fuera
    De solar a col-
    onizar.
    Cuando se acaben todos
    Solo queda al hombre
    (¿estará equipado?)
    El  dificilimo y peligrosisimo viaje 
    de si a si mismo:
    poner el pie
    en su corazón
    experimentar
    colonizar
    civilizar
    humanizar
    el hombre
    descubriendo en sus propios rincones inexplorados
    la perenne e insospechada alegría
    de con - vivir.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Nov 01, 2020 9:56 pm

    Explicação


    Meu verso é minha consolação.
    Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
    Para beber, copo de cristal, canequinha de folha-de-flandres,
    folha de taioba, pouco importa: tudo serve.
    Para louvar a Deus como para aliviar o peito,
    queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos
    é que faço meu verso. E meu verso me agrada.
    Meu verso me agrada sempre…
    Ele às vezes tem o ar sem-vergonha de quem vai dar uma cambalhota.
    Eu bem me entendo.
    Não sou alegre. Sou até muito triste.
    A culpa é da sombra das baaneiras de meu país, esta sombra mole, preguiçosa.
    Há dias em que ando na rua de olhos baixos
    para que ninguém desconfie, ninguém perceba
    que passei a noite inteira chorando.
    Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,
    de repente ouço a voz de uma viola…
    saio desanimado.
    Ah, ser filho de fazendeiro!
    À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer outro córrego vagabundo,
    é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.
    E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.
    Aquela casa de nove andares comerciais
    é muito interessante.
    A casa colonial da fazenda também era…
    No elevador penso na roça,
    na roça penso no elevador.
    Quem me fez assim foi minha gente e minha terra
    e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.
    Para mim, de todas as burrices, a maior é suspirar pela Europa
    A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro
    e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente.
    O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.
    Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,
    lê o seu jornal, mete a língua no governo,
    queixa-se da vida (a vida está tão cara)
    e no fim dá certo.
    Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
    Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?





    ¹ Carlos Drummond de Andrade
    * Itabira do Mato Dentro, MG, – 31 de Outubro de 1902 d.C
    + Rio de Janeiro RJ, – 17 de Agosto de 1987 d.C
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    ********************************************




    Explicación
     
    Mi verso es mi consolación.
    Mi verso es mi bebida. Todo mundo tiene su bebida.
    Para beber en copa de cristal, en jarra de hojalata,
    hoja de plátano, poco importa: todo sirve.

    Para alabar a Dios, aliviar el pecho,
    lamentar el desprecio de la morena, contar mi vida y
    trabajos,
    hago mis versos. Y mi verso me agrada.

    Mi verso me agrada siempre…
    Tiene, a veces, el aire desvergonzado de quien va a dar
    una pirueta
    mas no es para el público, es para mí mismo.
    Yo me entiendo bien.
    No soy alegre: hasta soy muy triste.
    La culpa es de las bananeras de mi país, esta sombra
    blanda, floja.
    Hay días en que ando en la calle con los ojos bajos
    para que nadie desconfíe, nadie se dé cuenta
    que pasé la noche entera llorando.
    Estoy en el cine viendo una película de Hoot Gibson,
    de repente oigo la voz de una guitarra…
    salgo desanimado.
    Ah, ser hijo de hacendado!
    A la vera de San Francisco, de paraíba o de cualquier
    arroyuelo vagabundo,
    es siempre la misma sen-si-bi-li-dad.
    Y uno viajando por la patria, siente saudades por la patria.
    Aquella casa de nueve pisos comerciales
    es muy interesante.
    La casa colonial de la hacienda también era…
    En el elevador pienso en el campo,
    en el campo pienso en el elevador.
    Quien me hizo así fue mi gente y mi tierra,
    me gusta haber nacido con esa tara.
    Para mí, de todas las necedades, la mayor es suspirar
    por Europa.
    Europa es una ciudad muy vieja donde sólo hacen caso
    del dinero
    y tienen unas actrices de piernas adjetivas que engañan
    a uno.
    El francés, el italiano, el judío hablan una lengua de
    harapos.
    Aquí, al menos, uno sabe que todo es una canalla
    solamente.
    Lee su periódico, ataca al gobierno,
    se queja de la vida (la vida está tan cara)
    y al final acierta.

    Si mi verso no es, fue su oído que no oyó;
    ¿No dije a usted que no soy sino poeta?


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    Mensaje por Maria Lua Miér Nov 11, 2020 6:29 am

    José


    E agora, José?
    A festa acabou,
    a luz apagou,
    o povo sumiu,
    a noite esfriou,
    e agora, José?
    e agora, Você?
    Você que é sem nome,
    que zomba dos outros,
    Você que faz versos,
    que ama, proptesta?
    e agora, José?


    Está sem mulher,
    está sem discurso,
    está sem carinho,
    já não pode beber,
    já não pode fumar,
    cuspir já não pode,
    a noite esfriou,
    o dia não veio,
    o bonde não veio,
    o riso não veio,
    não veio a utopia
    e tudo acabou
    e tudo fugiu
    e tudo mofou,
    e agora, José?


    E agora, José?
    sua doce palavra,
    seu instante de febre,
    sua gula e jejum,
    sua biblioteca,
    sua lavra de ouro,
    seu terno de vidro,
    sua incoerência,
    seu ódio, - e agora?


    Com a chave na mão
    quer abrir a porta,
    não existe porta;
    quer morrer no mar,
    mas o mar secou;
    quer ir para Minas,
    Minas não há mais.
    José, e agora?


    Se você gritasse,
    se você gemesse,
    se você tocasse,
    a valsa vienense,
    se você dormisse,
    se você consasse,
    se você morresse....
    Mas você não morre,
    você é duro, José!


    Sozinho no escuro
    qual bicho-do-mato,
    sem teogonia,
    sem parede nua
    para se encostar,
    sem cavalo preto
    que fuja do galope,
    você marcha, José!
    José, para onde?


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Nov 14, 2020 8:05 pm

    CONSIDERACIÓN DEL POEMA
     
       No rimaré con la palabra sueño
    su no correspondiente palabra dueno. (*)
    La rimaré con la palabra carne
    o con cualquicra otra; todas me convienen.
    Las  palabras  no  nacen amarradas,
    ellas saltan, se besan, se disuelven,
    son en el cielo libre a veres un dibujo,
    son puras, anchas, auténticas, incorruptibles.
     
       Una piedra en  el médio  dei camino
    o sólo un rastro, nada de eso importa.
    Estos poetes son míos. Ellos con todo orgullo
    con toda precisión se incorporaron
    a mi fatal lado izquierdo. Robo a Vinícius
    su más límpida elegia. Bebo en Murilo.
    Que Neruda me alcance su corbata
    Hameante. Me hundo en Apollinaire. Adiós, mi Maiacovski.
     
        Son todos mis hermanos, no son periódicos
    ni un deslizar de lancha entre camélias:
    es la vida total que me he jugado.
     
              Estos poemas son míos. Es mi tierra
    y más que ella. Es cualquier hombre
    de mediodía en cualquier plaza. Es la linterna
    en alguna posada, si alguna queda todavia.
    —¿Hay muertos? ¿hay mercados? ¿hay dolencias?
    Todo eso es mío. Ser explosivo, sin fronteras
    ¿por qué falsa mezquindad me desharía?
    ¡Que se depositen los besos en el rostro Manco, en las
                                                               primeras arrugas!
     
       El beso todavia es una señal, aunque se pierda,
    de la ausencia del comercio,
    flotando en tiempos sucios.
     
       Poeta de lo finito y de la materia
    cantor ya sin piedad, si, sin fáciles lágrimas
    boca tan seca, per o ardor tan casto!
    Dar todo por la presencia de las lejanías,
    sentir que hay ecos, poços, pero cristal
    no roca solamente; y peces circulando
    bafo el navío que lleva este mensaje,
    y aves de pico largo constatando
    su derrota; y dos o tres fanales
    ¡los últimos! esperanza dei mar negro.
    Ese viaje es mortal... pues comenzarlo.
    Saber que todo existe. Y moverse en el medio
    de mães de millones de formas raras,
    secretas, duras. Ese mi canto.
     
       El es tan bajo que se escucha apenas
    con el oído contra el suelo. Pero es tan alto
    que las piedras lo absorben. Está en la mesa
    abierta en libros, cartas y remedios.
    En el muro infiltróse. Y el tranvía, la calle,
    el uniforme del colégio se transforman,
    son ondas de
       ¿Cómo escapar al más mínimo objeto
    o rehusarse al grande? Los temas pasan
    yo sé que pasarán, más tú resistes,
    y creces como fuego, como casa,
    como rocío entre los dedos
    en la grama, que reposan.
     
       Y ahora te sigo a todas partes,
    te deseo y te pierdo, estoy completo,
    me destino, me vuelvo tan sublime,
    tan natural y lleno de secretos,
    tan seguro, tan fiel... Como una lámina
    el pueblo ¡oh mi poema!, te atraviesa.
     
     
    (*)     El original dice "sono" y "outono" (sueño y otoño) al pie de los dos primeros versos. El traductor quiso mantener la unidad idiomática en su versión, para lo cual, debiendo mantener también la rima, —fundamental elemento de la ironía del autor— creyó oportuno cambiar otoño por dueño. Créase así semejante incompatibibdad de sentido entre los dos términos rimados, manteniéndose también la principal palabra "sueño" que pareceria relacionarse luego con carne, en cierto respeto materialista.
     
     
    (De "Rosa de pueblo" 1945)


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    Mensaje por Maria Lua Jue Nov 19, 2020 9:07 pm

    Búsqueda de la poesía






    No hagas versos sobre acontecimientos.
    No existe creación ni muerte mediante la poesía.
    Ante ella, la vida es sol estático,
    no calienta ni ilumina.
    Las simpatías, los aniversarios, los incidentes personales
    no cuentan
    No hagas poesía con el cuerpo,
    ese excelente, completo y confortable cuerpo, tan contrario
    a la efusión lírica.
    Tu gota de bilis, tu careta en la oscuridad,
    de dolor o de goce,
    son indiferentes.
    Ni me reveles tus sentimientos,
    que se aprovechan del equívoco y pretenden llegar muy lejos.
    Lo que piensas, lo que sientes, eso todavía no es poesía.
    No cantes a tu ciudad, déjala en paz.
    El canto no es el movimiento de las máquinas ni los secretos caseros.
    No es una música oída al pasar: el rumor del mar
    en las calles junto a la línea de espuma.
    El canto no es la naturaleza
    ni los hombres en sociedad.
    Para él, lluvia y noche, fatiga y esperanza
    no significan nada.
    La poesía (no saques poesía de las cosas)
    suprime sujeto y objeto.
    No dramatices, no invoques,
    no indagues. No pierdas tiempo mintiendo.
    No te odies.
    Tu yate de marfil, tu zapato de diamante,
    tus mazurcas y supersticiones, tus esqueletos de familia
    desaparecen en la curva del tiempo, son algo inservible.
    No recompongas
    tu infancia sepultada y melancólica,
    no osciles entre el espejo y la
    memoria en disipación.
    Si se disipó, no era poesía.
    Si se quebró, cristal no era.
    Penetra sordamente el reino de las palabras.
    Allá están los poemas que esperan ser escritos.
    Están paralizados, pero no hay desesperación,
    hay calma y frescura en la superficie intacta.
    Helos solos y mudos, en estado de diccionario.
    Convive con tus poemas, antes de escribirlos.
    Ten paciencia si son oscuros. Calma si te provocan,
    Espera que cada uno se realice y se consume
    con su poder de palabra
    y su poder de silencio.
    No fuerces al poema a que se desprenda del limbo.
    No recojas del suelo al poema perdido.
    No adules al poema. Acéptalo
    como el aceptará su forma definitiva y concentrada
    en el espacio.
    Acércate más y contempla las palabras.
    Cada una
    tiene mil caras secretas bajo una cara neutra
    y te pregunta, sin interesarse en la respuesta,
    pobre o terrible, que le dieres:
    Trajiste la llave?
    Fíjate:
    vacía de melodía y de concepto,
    ellas se refugian en la noche, las palabras,
    húmedas todavía, impregnadas de sueño,
    ruedan en un río difícil y se convierten en desprecio.


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    Mensaje por Maria Lua Jue Nov 26, 2020 9:14 pm

    POR MUITO TEMPO ACHEI QUE A AUSÊNCIA É FALTA




    Por muito tempo achei que a ausência é falta.
    E lastimava, ignorante, a falta.
    Hoje não a lastimo.
    Não há falta na ausência.
    A ausência é um estar em mim.
    E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
    que rio e danço e invento exclamações alegres,
    porque a ausência, essa ausência assimilada,
    ninguém a rouba mais de mim.








    *********************************








    Durante mucho tiempo pensé que la ausencia era una falta.




    Durante mucho tiempo pensé que la ausencia era una falta.
    Y me compadecia, ignorantemente, de la falta.
    Hoy no lamento.
    No hay falta en la ausencia.
    La ausencia es un estar en mí.
    Y la siento, blanca, tan atrapada, acurrucada en mis brazos
    Me río y bailo y hago exclamaciones alegres,
    porque la ausencia, esta ausencia asimilada,
    ya nadie me la roba.


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    Mensaje por Maria Lua Mar Dic 01, 2020 11:36 pm

    SAGRAÇÃO

    Rocinante
    pasta a erva do sossego.

    A Mancha inteira é calma.
    A chama oculta arde
    nesta fremente Espanha interior.

    De giolhos e olhos visionários
    me sagro cavaleiro
    andante, amante
    de amor cortês a minha dama,
    cristal de perfeição entre perfeitas.

    Daqui por diante
    é girar, girovagar, a combater
    o erro, o falso, o mal de mil semblantes
    e recolher, no peito em sangue,
    a palma esquiva e rara
    que há de cingir-me a fronte
    por mão de Amor-amante.

    A fama, no capim
    que Rocinante pasta,
    se guarda para mim, em tudo a sinto,
    sede que bebo, vento que me arrasta.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Dic 05, 2020 8:41 pm




    Sergio Mota apresenta "Mundo Grande", poema de Carlos Drummond de Andrade.




    Mundo grande 



    "Não, meu coração não é maior que o mundo.
    Ê muito menor.
    Nele não cabem nem as minhas dores.
    Por isso gosto tanto de me contar.
    Por isso me dispo.
    Por isso me grito,
    por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
    preciso de todos.

    Sim, meu coração é muito pequeno.
    Só agora vejo que nele não cabem os homens.
    Os homens estão cá fora, estão na rua.
    A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
    Mas também a rua não cabe todos os homens.
    A rua é menor que o mundo.
    O mundo é grande.

    Tu sabes como é grande o mundo.
    Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
    Viste as diferentes cores dos homens.
    as diferentes dores dos homens.
    sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
    num só peito de homem... sem que elo estale.

    Fecha os olhos e esquece.
    Escuta a água nos vidros,
    tão calma. Não anuncia nada.
    Entretanto escorre nas mãos,
    tão calma! vai’ inundando tudo...
    Renascerão as cidades submersas?
    Os homens submersos —— voltarão?
    Meu coração não sabe.
    Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
    Só agora descubro
    como é triste ignorar certas coisas.
    (Na solidão de invidíduo
    desaprendi a linguagem
    com que homens se comunicam.)

    Outrora escutei os anjos,
    as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
    Nunca escutei voz de gente.
    Em verdade sou muito pobre.

    Outrora viajei
    países imaginários, fáceis de habitar.
    ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio

    Meus amigos foram às ilhas.
    Ilhas perdem o homem.
    Entretanto alguns se salvaram e
    trouxeram a notícia
    de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
    entre o fogo e o amor.

    Então, meu coração também pode crescer.
    Entre o amor e o fogo,
    entre a vida e o fogo,
    meu coração cresce dez metros e explode.
    — Ó vida futura! nós te criaremos







    (Poema da obra Sentimento do mundo)



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    Mensaje por Maria Lua Dom Dic 06, 2020 10:37 am

    Mundo mundo vasto mundo
    se eu me chamasse Raimundo,
    seria uma rima, não seria uma solução.
    Mundo mundo vasto mundo,
    mais vasto é meu coração.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Dic 06, 2020 8:51 pm

    Casamento do céu e do inferno




    No azul do céu de metileno
    a lua irônica
    diurética
    é uma gravura de sala de jantar.


    Anjos da guarda em expedição noturna
    velam sonos púberes
    espantando mosquitos
    de cortinados e grinaldas.


    Pela escada em espiral
    diz-que tem virgens tresmalhadas,
    incorporadas à Via Láctea,
    vagalumeando…


    Por uma frincha
    o diabo espreita com o olho torto.
    Diabo tem uma luneta
    que varre léguas de sete léguas
    e tem o ouvido fino
    que nem violino.


    São Pedro dorme
    e o relógio do céu ronca mecânico.
    Diabo espreita por uma frincha.


    Lá embaixo
    suspiram bocas machucadas.
    Suspiram rezas? Suspiram manso,
    de amor.

    E os corpos enrolados
    ficam mais enrolados ainda
    e a carne penetra na carne.


    Que a vontade de Deus se cumpra!
    Tirante Laura e talvez Beatriz,
    o resto vai para o inferno.




    **********************




    Matrimonio del cielo y el infierno




    En el cielo azul de metileno
    la luna irónica
    diurética
    es una imagen de un comedor


    Ángeles de la guarda en expedición nocturna
    sueño pubescente
    asustando a los mosquitos
    de cortinas y guirnaldas.


    Subiendo la escalera de caracol
    dicen que hay  vírgenes vagando...
    incorporadas a la Vía Láctea,
    "luciernagando" ...


    A través de una grieta
    el diablo acecha con los ojos torcidos.
    El diablo tiene un Telescopio
    que barre leguas de siete leguas
    y tiene una oreja delgada
    como un violín.


    San Pedro duerme
    y el reloj del cielo ronca mecánicamente.
    El diablo acecha a través de una grieta.


    Abajo
    Suspiro bocas heridas
    ¿Suspiran oraciones? Suspiran suavemente
    de amor.


    Y los cuerpos encrespados
    enredanse aún más
    y la carne penetra en la carne.


    ¡Que se cumpla la voluntad de Dios!
    Atar a Laura y tal vez a Beatriz,
    el resto se va al infierno.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Dic 06, 2020 8:53 pm

    Construção


    Um grito pula no ar como foguete.
    Vem da paisagem de barro úmido, caliça e andaimes hirtos.
    O sol cai sobre as coisas em placa fervendo.
    O sorveteiro corta a rua.
    E o vento brinca nos bigodes do construtor.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Dic 06, 2020 8:57 pm

    Estrambote melancólico


    Tenho saudade de mim mesmo, sau-
    dade sob aparência de remorso,


    de tanto que não fui, a sós, a esmo,
    e de minha alta ausência em meu redor.
    Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
    e tenho muitos outros sentimentos
    violentos. Mas se esquivam no inventário,
    e meu amor é triste como é vário,
    e sendo vário é um só. Tenho carinho
    por toda perda minha na corrente
    que de mortos a vivos me carreia
    e a mortos restitui o que era deles
    mas em mim se guardava. A estrela-d’alva
    penetra longamente seu espinho
    (e cinco espinhos são) na minha mão.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Lun Dic 07, 2020 9:03 pm

    AINDA QUE MAL

    Ainda que mal pergunte,
    ainda que mal respondas;
    ainda que mal te entenda,
    ainda que mal repitas;
    ainda que mal insista,
    ainda que mal desculpes;
    ainda que mal me exprima,
    ainda que mal me julgues;
    ainda mal me mostre,
    ainda que mal me vejas;
    ainda que mal te encare,
    ainda que mal te furtes;
    ainda que mal te siga,
    ainda que mal te voltes;
    ainda que mal te ame,
    ainda que mal o saibas;
    ainda que mal te agarre,
    ainda que mal te mates;
    ainda assim te pergunto
    e me queimando em teu seio,
    me salvo e me dano: amor.





             (As impurezas do branco, 1973)


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    Mensaje por Maria Lua Mar Dic 08, 2020 11:56 pm

    Sonhei que estava sonhando
    e que no meu sonho havia
    outro sonho esculpido.
    Os três sonhos sobrepostos
    dir-se-iam apenas elos
    de uma infindável cadeia
    de mitos organizados
    em derredor de um pobre eu.


    Eu que, mal de mim! sonhava.
    Sonhava que no meu sonho
    retinha uma zona lúcida
    para concretar o fluido
    como abstrair o maciço.
    Sonhava que estava alerta,
    e mais do que alerta, lúdico,
    e receptivo, e magnético,
    e em torno a mima se dispunham
    possibilidades claras,
    e, plástico, o ouro do tempo
    vinha cingir-me e dourar-me
    para todo o sempre, para
    um sempre que ambicionava
    mas de todo o ser temia...


    Ai de mim! que mal sonhava.
    Sonhei que os entes cativos
    dessa livre disciplina
    plenamente floresciam
    permutando no universo
    uma dileta substância
    e um desejo apaziguado
    de ser um ser com milhares,
    pois o centro era eu de tudo
    como era cada um dos raios
    desfechados para longe,
    alcançando além da terra
    ignota região lunar,
    na perturbadora rota
    que antigos não palmilharam
    mas ficou traçada em branco
    nos mais velhos portulanos
    e no pó dos marinheiros
    afogados em mar alto.


    Sonhei que meu sonho vinha
    com a realidade mesma.
    Sonhei que o sonho se forma
    não do que desejaríamos
    ou de quanto silenciamos
    em meio a ervas crescidas,
    mas do que vigia e fulge
    em cada ardente palavra
    proferida sem malícia,
    aberta como uma flor
    se entreabre: radiosamente.


    Sonhei que o sonho existia
    não dentro, fora de nós,
    e era toca-lo e colhe-lo,
    e sem demora sorve-lo,
    gasta-lo sem vão receio
    de que um dia se gastara.


    Sonhei certo espelho límpido
    com a propriedade mágica
    de refletir o melhor,
    sem azedume ou frieza
    por tudo que fosse obscuro,
    mas antes o iluminando,
    mansamente convertendo
    em fonte mesma de luz.
    Obscuridade! Cansaço!
    Oclusão de formas meigas!
    Ó terra sobre diamantes!
    Já vos libertais, sementes,
    germinando à superfície
    deste solo resgatado!


    Sonhava, aí de mim, sonhando
    que não sonhara... Mas via
    na treva em frente ao meu sonho,
    nas paredes degradadas,
    na fumaça, na impostura,
    no riso mau, na inclemência,
    na fúria contra os tranquilos,
    na estreita clausura física,
    no desamor à verdade,
    na ausência de todo amor


    Eu via, ai de mim, sentia
    que o sonho era sonho, e falso.





    - Carlos Drummond de Andrade


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    Mensaje por Maria Lua Miér Dic 16, 2020 10:14 pm

    Consolo na praia







    Vamos, não chores.

    A infância está perdida.

    A mocidade está perdida.

    Mas a vida não se perdeu.

    O primeiro amor passou.

    O segundo amor passou.

    O terceiro amor passou.

    Mas o coração continua.

    Perdeste o melhor amigo.

    Não tentaste qualquer viagem.

    Não possuis carro, navio, terra.

    Mas tens um cão.

    Algumas palavras duras,

    em voz mansa, te golpearam.

    Nunca, nunca cicatrizam.

    Mas, e o humour?

    A injustiça não se resolve.

    À sombra do mundo errado

    murmuraste um protesto tímido.

    Mas virão outros.

    Tudo somado, devias

    precipitar-te, de vez, nas águas.

    Estás nu na areia, no vento…

    Dorme, meu filho.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Dic 19, 2020 9:48 pm



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    Mensaje por Maria Lua Jue Dic 24, 2020 8:52 pm

     "Organiza o Natal"





    Poeta Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom. Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas.
    Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.
    Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.


    A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro. A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.
    Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz. O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.
    Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível. A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã. O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive. E será Natal para sempre.
     



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    Mensaje por Maria Lua Jue Dic 31, 2020 8:52 pm

    RECEITA DE ANO NOVO




    Para você ganhar belíssimo Ano Novo

    cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,

    Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido

    (mal vivido talvez ou sem sentido)

    para você ganhar um ano

    não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

    mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;

    novo

    até no coração das coisas menos percebidas

    (a começar pelo seu interior)

    novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,

    mas com ele se come, se passeia,

    se ama, se compreende, se trabalha,

    você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,

    não precisa expedir nem receber mensagens

    (planta recebe mensagens?

    passa telegramas?)




    Não precisa

    fazer lista de boas intenções

    para arquivá-las na gaveta.

    Não precisa chorar arrependido

    pelas besteiras consumadas

    nem parvamente acreditar

    que por decreto de esperança

    a partir de janeiro as coisas mudem

    e seja tudo claridade, recompensa,

    justiça entre os homens e as nações,

    liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

    direitos respeitados, começando

    pelo direito augusto de viver.



    Para ganhar um Ano Novo

    que mereça este nome,

    você, meu caro, tem de merecê-lo,

    tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,

    mas tente, experimente, consciente.

    É dentro de você que o Ano Novo

    cochila e espera desde sempre.





    [Tienes que estar registrado y conectado para ver este vínculo] , "Receita de Ano Novo". Editora Record. 2008.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Ene 02, 2021 8:59 pm

    campo de flores


    Deus me deu um amor no tempo de madureza,
    quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
    Deus — ou foi talvez o Diabo — deu-me este amor maduro,
    e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.


    Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
    e outros acrescento aos que amor já criou.
    Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
    e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.


    Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
    e cansado de mim julgava que era o mundo
    um vácuo atormentado, um sistema de erros.
    Amanhecem de novo as antigas manhãs
    que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.


    Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
    imensa e contraída como letra no muro
    e só hoje presente.
    Deus me deu um amor porque o mereci.
    De tantos que já tive ou tiveram em mim,
    o sumo se espremeu para fazer um vinho
    ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.


    E o tempo que levou uma rosa indecisa
    a tirar sua cor dessas chamas extintas
    era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
    Onde não há jardim, as flores nascem de um
    secreto investimento em formas improváveis.


    Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
    para arrecadar as alfaias de muitos
    amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
    e ao vê-los amorosos e transidos em torno
    o sagrado terror converto em jubilação.


    Seu grão de angústia amor já me oferece
    na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
    os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
    e o mistério que além faz os seres preciosos
    à visão extasiada.


    Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
    há que amar diferente. De uma grave paciência
    ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
    tenha dilacerado a melhor doação.


    Há que amar e calar.
    Para fora do tempo arrasto meus despojos
    e estou vivo na luz que baixa e me confunde.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Ene 03, 2021 10:03 pm

    MENINOCHORANDONA NOITE


    Na noite lenta e morna, morta noite semruído, ummenino
    [chora.
    Ochoro atrás da parede, a luz atrás da vidraça
    perdem-se na sombra dos passos abafados, das vozes extenuadas.
    E no entanto se ouve até o rumor da gota de remédio caindo
    [na colher.
    Ummenino chora na noite, atrás da parede, atrás da rua,
    longe ummenino chora, emoutra cidade talvez,
    talvez emoutro mundo.
    E vejo a mão que levanta a colher, enquanto a outra sustenta
    [a cabeça
    e vejo o fio oleoso que escorre pelo queixo do menino,
    escorre pela rua, escorre pela cidade (umfio apenas).
    E não há ninguémmais no mundo a não ser esse menino
    [chorando.


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    Mensaje por Maria Lua Lun Ene 04, 2021 8:26 pm

    NOTURNO À JANELA DOAPARTAMENTO


    Silencioso cubo de treva:
    umsalto, e seria a morte.
    Mas é apenas, sob o vento,
    a integração na noite.


    Nenhumpensamento de infância,
    nemsaudade nemvão propósito.
    Somente a contemplação
    de ummundo enorme e parado.


    A soma da vida é nula.
    Mas a vida temtal poder:
    na escuridão absoluta,
    como líquido, circula.


    Suicídio, riqueza, ciência…
    A alma severa se interroga
    e logo se cala. E não sabe
    se é noite, mar ou distância.


    Triste farol da Ilha Rasa.


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    Mensaje por Maria Lua Mar Ene 05, 2021 5:57 am

    El poeta


    declina toda responsabilidad

    en la marcha del mundo capitalista

    y con sus palabras, intuiciones, símbolos y otras armas

    promete ayudar

    para destruirlo

    como una cantera, un bosque

    un gusano.


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    CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (Brasil, 31/10/ 1902 –  17/08/ 1987) - Página 9 Empty Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (Brasil, 31/10/ 1902 – 17/08/ 1987)

    Mensaje por Maria Lua Miér Ene 06, 2021 10:57 pm

    REVELAÇÃO DO SUBÚRBIO


    Quando vou para Minas, gosto de ficar de pé, contra a vidraça do
    [carro,
    vendo o subúrbio passar.
    Osubúrbio todo se condensa para ser visto depressa,
    commedo de não repararmos suficientemente
    emsuas luzes que mal têmtempo de brilhar.
    A noite come o subúrbio e logo o devolve,
    ele reage, luta, se esforça,
    até que vemo campo onde pela manhã repontamlaranjais
    e à noite só existe a tristeza do Brasil.


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    Mensaje por Maria Lua Vie Ene 08, 2021 8:48 pm

    Construção




    Um grito pula no ar como foguete.
    Vem da paisagem de barro úmido, caliça e andaimes hirtos.
    O sol cai sobre as coisas em placa fervendo.
    O sorveteiro corta a rua.
    E o vento brinca nos bigodes do construtor.








    ************************






    Construcción




    Un grito salta al aire como un cohete.
    Proviene del paisaje de arcilla húmeda, piedra caliza y andamios rígidos.
    El sol cae sobre las cosas hirviendo.
    El heladero corta la calle.
    Y el viento juega en los bigotes del constructor.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Ene 09, 2021 8:23 pm

    Os Ombros Suportam o Mundo

    Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
    Tempo de absoluta depuração.
    Tempo em que não se diz mais: meu amor.
    Porque o amor resultou inútil.
    E os olhos não choram.
    E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
    E o coração está seco.
    Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
    Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
    mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
    És todo certeza, já não sabes sofrer.
    E nada esperas de teus amigos.
    Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
    Teus ombros suportam o mundo
    e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
    As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
    provam apenas que a vida prossegue
    e nem todos se libertaram ainda.
    Alguns, achando bárbaro o espetáculo
    prefeririam (os delicados) morrer.
    Chegou um tempo em que não adianta morrer.
    Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
    A vida apenas, sem mistificação.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Ene 09, 2021 10:02 pm



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    Mensaje por Maria Lua Sáb Ene 09, 2021 10:03 pm



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    Mensaje por Maria Lua Sáb Ene 09, 2021 10:04 pm



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    Mensaje por Maria Lua Sáb Ene 09, 2021 10:41 pm



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