331.
Doem-me a cabeça e o universo. As dores físicas, mais nitidamente dores
que as morais, desenvolvem, por um reflexo no espírito, tragédias incontidas
nelas. Trazem uma impaciência de tudo que, como é de tudo, não exclui
nenhuma das estrelas.
Não comungo, não comunguei nunca, não poderei, suponho, alguma vez
comungar aquele conceito bastardo pelo qual somos, como almas,
consequências de uma coisa material chamada cérebro, que existe, por
nascença dentro de outra coisa material chamada crânio. Não posso ser
materialista, que é o que, creio, se chama àquele conceito, porque não posso
estabelecer uma relação nítida — uma relação visual direi — entre uma massa
visível de matéria cinzenta, ou de outra cor qualquer, e esta coisa eu que por
detrás do meu olhar vê os céus e os pensa, e imagina céus que não existem.
Mas, ainda que nunca possa cair no abismo de supor que uma coisa possa ser
outra só porque estão no mesmo lugar, como a parede e a minha sombra nela,
ou que depender a alma do cérebro seja mais que depender eu, para o meu
trajeto, do veículo em que vou, creio, todavia, que há entre o que em nós é só
espírito e o que em nós é espírito do corpo uma relação de convívio em que
podem surgir discussões. E a que surge vulgarmente é a de a pessoa mais
ordinária incomodar a que o é menos.
Dói-me a cabeça hoje, e é talvez do estômago que me dói. Mas a dor, uma
vez sugerida do estômago à cabeça, vai interromper as meditações que tenho
por detrás de ter cérebro. Quem me tapa os olhos não me cega, porém
impede-me de ver. E assim agora, porque me dói a cabeça, acho sem valia
nem nobreza o espetáculo, neste momento monótono e absurdo, do que aí
fora mal quero ver como mundo. Dói-me a cabeça, e isto quer dizer que
tenho consciência de uma ofensa que a matéria me faz, e que, porque como
todas as ofensas, me indigna, me predispõe para estar mal com toda a gente,
incluindo a que está próxima porém me não ofendeu.
O meu desejo é de morrer, pelo menos temporariamente, mas isto, como
disse, só porque me dói a cabeça. E neste momento, de repente, lembra-me
com que melhor nobreza um dos grandes prosadores diria isto. Desenrolaria,
período a período, a mágoa anónima do mundo; aos seus olhos imaginadores
de parágrafos surgiriam, diversos, os dramas humanos que há na terra, e
através do latejar das fontes febris erguer-se-ia no papel toda uma metafísica
da desgraça. Eu, porém, não tenho nobreza estilística. Dói-me a cabeça
porque me dói a cabeça. Dói-me o universo porque a cabeça me dói. Mas o
universo que realmente me dói não é o verdadeiro, o que existe porque não
sabe que existo, mas aquele, meu de mim, que, se eu passar as mãos pelos
cabelos, me faz parecer sentir que eles sofrem todos só para me fazerem
sofrer.
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