À morte de D. Miguel de Meneses, filho de D. Henrique de Meneses, governador da Casa Cível, que morreu na Índia:
Que novas tristes são, que novo dano,
que mal inopinado incerto soa,
tingindo de temor o vulto humano?
Que vejo as praias húmidas de Goa
ferver com gente atónita e torvada
do rumor que de boca em boca soa.
É morto D. Miguel – ah, crua espada! –
e parte da lustrosa companhia
que se embarcou na alegre e triste armada,
e de espingarda ardente e lança fria
passado pelo torpe e iníquo braço
que nessas altas famas injuria.
Não lhe valeu rodela ou peito de aço,
nem ânimo de Avós altos herdado,
com que se defendeu tamanho espaço;
não ter-se em derredor todo cercado
de corpos de inimigos, que exalavam
a negra alma do corpo traspassado;
não com palavras fortes, que voavam
a animar os incertos companheiros
que, fortes, caem e tímidos viravam.
Mas já postos nos termos derradeiros,
passados por mil partes e cortados
os membros, só do nobre esforço inteiros,
os olhos, de furor acompanhados,
que inda na morte as vidas amedrontam
dos fracos inimigos espantados,
postos no Céu, parece que apresentam
a pura alma a suprema Eternidade,
por quem os Céus e Terra se sustentam.
E pedindo dos erros, que na idade
verde e quase inocente já fazia,
perdão à pia e justa Majestade,
as rosas apartou da neve fria;
e, como flama fraca, a quem falece
seu húmido licor, de que vivia,
nas mãos do Coro angelical, que dece,
se entrega, e vai gozar da vida eterna
que com tão justa morte se merece.
Vai-te, alma, em paz e glória sempiterna!
Vai, que quem pela Lei santa e divina
morre, a dá a Deus, que os Céus governa.
Quando pela razão devida e dina
do Rei, da Pátria, e honra dos passados
sacrificar a vida nos ensina,
nos assentos de estrelas esmaltados
lhe dá lugar a altíssima Clemência
entre os heróis a glória destinados.
Mas, ah! quem sofrerá perpétua ausência
de tão caro Senhor, tão fido amigo!
Quem porá contra mágoas resistência?
Aquele ânimo grande, que do antigo
de seus maiores era alto retrato,
desprezador de todo o vil perigo;
misturado com dece e brando trato
cos iguais juntamente, e cos menores
a todos amoroso, a todos grato;
aquele esprito nobre, onde maiores
esperanças cresciam, se o tão duro
caso as não cortara em novas flores;
em verde idade, siso já maduro,
alegre riso, ledo e aberto peito,
em repousado espírito seguro,
não soberbo e por arte contrafeito,
mas todo puro e, enfim, da natureza
mais para o Céu que para a terra feito.
Também do corpo a humana gentileza,
o bem talhado gesto, que mostrava
forças iguais e manhas com destreza;
a cor, que o fresco rosto matizava,
as rosas, flores novas de alegria,
com que o Verão as faces adornava;
tudo os fios da Morte, que desvia
dos propósitos nossos e salteia,
cortaram cruamente, quando abria.
Deixa pois tu, fermosa Citereia,
do gentil filho e neto de Ciniras
o pranto pela morte horrenda e feia.
E tu, dourado Apolo, que suspiras
pelo crespo Hiacinto, moço caro,
por quem a clara luz ao mundo tiras:
vinde e chorai um moço ao mundo raro,
não de ferino dente vulnerado,
nem de animal algum que haja reparo,
mas só do fero imigo traspassado
que, sem dúvida incerta ou pio medo,
a vida pôs nas mãos de Marte irado.
Este tu também, moço Idálio, quedo;
deixa de dar o venenoso mel
a beber pelos olhos triste e ledo,
que já os fermosos olhos de Miguel
cobertos são do negro e escuro manto
da lei geral, a todos mais cruel.
E vós, filhas de Téspis, que do canto
podeis bem mitigar a lei imensa
dos irmãos generosos e alto pranto,
não consintais que façam larga ofensa
à grande integridade; que, se devem,
não são águas do dano recompensa.
Que já diante os olhos me descrevem,
quando as bocas da fama voadora
ao pátrio e claro Tejo as novas levam,
a profunda tristeza que, em üa hora,
tal posse tomará dos altos peitos
que a razão quase quase deite fora.
Ali, de dor, os corações sujeitos
pesadas lhe serão consolações
e pesados exemplos e respeitos.
Pequena é certo a dor, que com razões
se pôde refrear, nem com memória
de outros antigos e íntegros varões.
Mas porém se igualais a vida à glória,
meu grande Dom Filipe, e pretendeis
deixar de vossas obras larga história,
eu não vos admoesto que estreiteis
o coração na estóica disciplina,
onde livre de efeitos vos mostreis,
que mal natura nossa determina
medo, esperanças, dores e alegria,
como o Cínico velho nos ensina.
Imanidade estúpida – diria
o sulmonense canto – e vil rudeza
e não sentir efeitos, que a alma cria.
Porém, se não sentir nada é bruteza,
e se paixão de vida se consente,
também o sentir muito é já fraqueza.
Se dói a opinião do mal presente
e medo e opinião do mal futuro,
são, enfim, tudo opiniões da gente.
O verdadeiro sábio está seguro
de leves alegrias e de espanto
de dor, que turba da alma o licor puro.
Inda antes que aconteça o riso e o pranto
os tem já no sentido meditados,
livre está de alvoroço e de quebranto.
E como de alta torre vê cuidados
humanos vãos, e aquela diferença
de ambições e cobiças e pecados,
todo caso acha nele só presença
que, como as febres são da carne humana,
assi os efeitos d'alma são doença.
Se esta doutrina credes, que é profana,
ponde os olhos na nossa, que é divina,
e sobre todas santa e soberana.
Vereis Arão, que não se contamina
sobre os montes seus, que defendida
a dor lhe foi da santa disciplina.
Não chega a ver parentes, que da vida
partidos são, que na alma a Deus agrada
que nenhüa aflição do mundo impida.
Nós somos geração a Deus dicada
sacerdotal, que em tempo nenhum deve
do gentílico culto ser tocada.
era porque ainda as portas não quebraram
do Céu sereno aquelas mãos cravadas
que os antigos contágios alimparam;
e também por ornar as sempre usadas
pompas do funeral enterramento
com públicas exéquias costumadas.
Esta alta fortaleza e sofrimento,
como a forte Varão, vos e devido
e como lei do santo documento.
Bem conheço que o corpo assi perdido,
que do sepulcro nobre aqui carece,
será de aves ou feras consumido.
Mas também nisto vi que se parece
co do grão Bisavô, que pela vida
real a sua às lanças oferece;
fazendo com seus membros impedida
a passagem aos feros Tingitanos,
ficou sem sepultura merecida.
E lá nos aposentos soberanos
o recebem da palma coroado,
desprezando do corpo baixo os danos.
E ele diz que das gentes enterrado
qualquer corpo será; mas quem morreu
por Deus, é só dos Anjos sepultado.
Que mais rico e fermoso mausoléu,
que pirâmides altas, que figura
de mortalha, que chegue a estar no Céu!
Fácil é a perda aqui da sepultura;
Diógenes prudente e Teodoro
pouco sentem de corpo essa jactura.
Assi fermoso, inteiro, assi decoro,
adora quem o tem, como o tomou,
quando se ouvir o extremo som sonoro.
Mas, oh! que temor súpito ocupou
vosso peito famoso, ó Portugueses?
Que pávido temor vos lanceou?
Que lançadas, que golpes, que reveses
vos fizeram fazer tamanha injúria
aos lusitanos bélicos arneses?
Ou já de Capitão sobeja incúria
ou a fraqueza? Não, que ele sustentava
co seu corpo dos bárbaros a fúria.
Ou do férreo cano a força brava
com estrondos que atroam mar e terra
que os corações no peito congelava?
Ou quem vos fez que os ímpetos da guerra
não sustenteis com valor sempre ousado,
desprezando o furor que a vida enterra?
A vida pela Pátria e pelo Estado
pondo, vossos Avós a nós deixaram
terras, mares e exemplo sublimado.
Eles a desprezar nos ensinaram
todo o temor; pois como agora os netos,
supitamente, assi degeneraram?
Não podem certo, não, viver quietos
com feia infâmia peitos generosos
em públicos lugares, nem secretos.
Mortos os espartanos valerosos
da fera multidão, fazendo extremos,
tais epitáfios tinham gloriosos:
Dirás, hóspede, tu, que aqui jazemos
passado do inimigo fero, enquanto
às santas leis da Pátria obedecemos.
Fugindo os Persas vão com frio espanto,
mas acham as mulheres no caminho
amostrando-lhe o ventre sem ter manto:
«Pois fugis do perigo, que é vizinho,
fracos! vinde esconder-vos – lhe diziam –
outra vez no materno, escuro ninho.»
Vedes quais com mais glória ficariam:
se aqueles que enfim morrem pelo Estado,
se os outros, que as mulheres injuriam.
Mas tu, claro Miguel, que, já acordado
deste sonho tão breve, estás naquela
torre do Céu, seguro e repousado,
onde, com Deus unida a forte e bela
alma , com teus maiores reluzindo,
por cada chaga tens üa clara estrela,
os pés o cristalino Céu medindo,
pisando essas lucíferas Esferas,
já da terrena os olhos encobrindo,
agora um curso e outro consideras,
agora a verdade dos mortais,
que tu também passaras, se viveras.
Mais a pena cantara, a poder mais.
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