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    Mensaje por Maria Lua Dom 31 Dic 2023, 13:00

    Lisbon Revisited (1926) Fernando Pessoa/ Álvaro de Campos



    Nada me prende a nada.
    Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
    Anseio com uma angústia de fome de carne
    O que não sei que seja —
    Definidamente pelo indefinido...
    Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
    De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

    Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
    Correram cortinas por dentro de todas as hipóteses que eu poderia ver na rua.
    Não há na travessa achada número de porta que me deram.

    Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
    Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
    Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
    Até a vida só desejada me farta — até essa vida...

    Compreendo a intervalos desconexos;
    Escrevo por lapsos de cansaço;
    E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.

    Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
    Não sei que ilhas do Sul impossível aguardam-me náufrago;
    Ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.
    Não, não sei isto, nem outra cousa, nem cousa nenhuma...
    E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
    Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
    (E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
    Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
    Onde supus o meu ser,
    Fogem desmantelados, últimos resto
    Da ilusão final,
    Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
    As minhas coortes por existir, esfaceladas em Deus.

    Outra vez te revejo,
    Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
    Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...
    Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
    E aqui tornei a voltar, e a voltar,
    E aqui de novo tornei a voltar?
    Ou somos, todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
    Uma série de contas-entes ligadas por um fio-memória,
    Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

    Outra vez te revejo,
    Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

    Outra vez te revejo — Lisboa e Tejo e tudo —,
    Transeunte inútil de ti e de mim,
    Estrangeiro aqui como em toda a parte,
    Casual na vida como na alma,
    Fantasma a errar em salas de recordações,
    Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
    No castelo maldito de ter que viver...

    Outra vez te revejo,
    Sombra que passa através de sombras, e brilha
    Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
    E entra na noite como um rastro de barco se perde
    Na água que deixa de se ouvir...

    Outra vez te revejo,
    Mas, ai, a mim não me revejo!
    Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
    E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim —
    Um bocado de ti e de mim!...



    26-4-1926




    ************************



    Lisboa revisitada



    No: no quiero nada.
    Ya dije que no quiero nada.

    ¡No me vengan con conclusiones!
    La única conclusión es morir.

    ¡No me vengan con estéticas!
    ¡No me hablen de moral!
    ¡Aparten de aquí la metafísica!
    No me pregonen sistemas completos, no me alineen conquistas
    De las ciencias (¡de las ciencias, Dios mío, de las ciencias!)—
    ¡De las ciencias, de las artes, de la civilización moderna!

    ¿Qué mal hice a todos los dioses?

    ¡Si poseen la verdad, guárdensela!

    Soy un técnico, pero tengo técnica sólo dentro de la técnica.
    Fuera de eso soy loco, con todo el derecho a serlo.
    Con todo el derecho a serlo, ¿oyeron?

    ¡No me fastidien, por amor de Dios!

    ¿Me querían casado, fútil, cotidiano y tributable?
    ¿Me querían lo contrario de esto, lo contrario de cualquier cosa?
    Si yo fuese otra persona, les daría a todos gusto.
    ¡Así, como soy, tengan paciencia!
    ¡Váyanse al diablo sin mí,
    O déjenme que me vaya al diablo solo!

    ¿Para qué hemos de ir juntos?
    ¡No me toquen en el brazo!
    No me gusta que me toquen en el brazo. Quiero estar solo,
    ¡Ya dije que soy un solitario!
    ¡Ah, que fastidio querer que sea de la compañía!

    Oh cielo azul —el mismo de mi infancia—,
    ¡Eterna verdad vacía y perfecta!
    ¡Oh suave Tajo ancestral y mudo,
    Pequeña verdad donde el cielo se refleja!
    ¡Oh amargura revisitada, Lisboa de antaño de hoy!
    ¡Nada me das, nada me quitas, nada eres que yo me sienta!

    ¡Déjenme en Paz! No tardo, yo nunca tardo…
    ¡Y mientras tarda el Abismo y el Silencio quiero estar solo!

    (***)


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    siendo guardián en tu cielo
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    Mensaje por Maria Lua Mar 02 Ene 2024, 13:18

    Fernando Pessoa
    Quinta: D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL
    Quinta



    D. SEBASTIÃO

    REI DE PORTUGAL



    Louco, sim, louco, porque quis grandeza

    Qual a Sorte a não dá.

    Não coube em mim minha certeza;

    Por isso onde o areal está

    Ficou meu ser que houve, não o que há.



    Minha loucura, outros que me a tomem

    Com o que nela ia.

    Sem a loucura que é o homem

    Mais que a besta sadia,

    Cadáver adiado que procria?



    *******************


    Don Sebastián- Rey de Portugal



    Loco, sí, loco, por querer grandeza
    cual la Suerte no da.
    En mí no cupo toda mi certeza;
    por eso donde el arenal está
    quedó aquel ser que tuve, no el que hay.

    De mi locura, que otros se apoderen
    con lo que en ella había.
    ¿Qué es sin locura el hombre
    más que un animal sano,
    cadáver aplazado que procrea?







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    Mensaje por Maria Lua Miér 03 Ene 2024, 09:14

    Fernando Pessoa
    Segundo: O DAS QUINAS
           Segundo

           O DAS QUINAS

    Os Deuses vendem quando dão.

    Compra-se a glória com desgraça.

    Ai dos felizes, porque são

    Só o que passa!


    Baste a quem baste o que lhe basta

    O bastante de lhe bastar!

    A vida é breve, a alma é vasta:

    Ter é tardar.


    Foi com desgraça e com vileza

    Que Deus ao Cristo definiu:

    Assim o opôs à Natureza

    E Filho o ungiu.




    ***************

    El de las quinas



    Los dioses venden cuando dan.
    Gloria se compra con desgracia.
    ¡Pobres felices, porque sólo
    son lo que pasa!

    ¡Baste a quien baste lo que bástale,
    lo que para bastarle basta!
    La vida es breve, vasta el alma;
    tener es tardar.

    Fue con desgracia y con vileza
    como al Cristo definió Dios:
    así lo opuso a la Naturaleza
    e Hijo lo ungió.




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    Mensaje por Maria Lua Miér 03 Ene 2024, 09:17

    Arquivo Pessoa
    OBRA ÉDITA
    Álvaro de Campos



    MAGNIFICAT




    Quando é que passará esta noite interna, o universo,

    E eu, a minha alma, terei o meu dia?

    Quando é que despertarei de estar acordado?

    Não sei. O sol brilha alto,

    Impossível de fitar.

    As estrelas pestanejam frio,

    Impossíveis de contar.

    O coração pulsa alheio,

    Impossível de escutar.

    Quando é que passará este drama sem teatro,

    Ou este teatro sem drama,

    E recolherei a casa?

    Onde? Como? Quando?

    Gato que me fitas com olhos de vida, quem tens lá no fundo?

    É esse! É esse!

    Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;

    E então será dia.

    Sorri, dormindo, minha alma!

    Sorri, minha alma, será dia!





    *************************



    Magnificat


    ¿Cuándo pasará esta noche interior, el universo,
    y yo, el alma mía, tendré mi día?
    ¿Cuándo despertaré de estar despierto?
    No sé. El sol brilla alto,
    imposible de mirar.
    Frío pestañean las estrellas,
    imposibles de cotnar.
    Ajeno pulsa el corazón,
    imposible de escuchar.
    ¿Cuándo pasará este drama sin teatro
    o este teatro sin drama
    y me acogeré a casa?
    ¿Dónde? ¿Cómo? ¿Cuándo?
    Gato que me miras con ojos de vida, ¿qué tienes allá en lo hondo?
    ¡A aquél! ¡A aquél!
    Y aquél mandará como Josué que pare el sol, y yo despertaré;
    y entonces será día.
    Sonríe mientras duermes, alma mía.
    Sonríe, alma mía, ¡será día!





    (Traducción: José Antonio Llardent)






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    Mensaje por Maria Lua Jue 04 Ene 2024, 14:46

    Fernando Pessoa
    II. HORIZONTE
    II

    HORIZONTE

    Ó mar anterior a nós, teus medos

    Tinham coral e praias e arvoredos.

    Desvendadas a noite e a cerração,

    As tormentas passadas e o mistério,

    Abria em flor o Longe, e o Sul sidério

    Esplendia sobre as naus da iniciação.


    Linha severa da longínqua costa —

    Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

    Em árvores onde o Longe nada tinha;

    Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:

    E, no desembarcar, há aves, flores,

    Onde era só, de longe a abstracta linha.


    O sonho é ver as formas invisíveis

    Da distância imprecisa, e, com sensíveis

    Movimentos da esperança e da vontade,

    Buscar na linha fria do horizonte

    A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —

    Os beijos merecidos da Verdade.



    **********************


    Horizonte


    Mar de antes de nosotros, tus temores
    coral tenían, playas y arboledas.
    Despejadas la noche y la neblina,
    pasadas las tormentas y el misterio,
    se abría lo Lejano en flor, y el Sur astral
    sobre la naves de la iniciación resplandecía.

    Línea severa de lejana costa:
    cuando la nao se acerca se yergue la ladera
    de árboles donde nada lo Lejano tenía;
    más cerca, se abre en sones y colores la tierra
    y hay, en el desembarco, aves y flores
    donde había, de lejos, sólo una línea abstracta.

    Soñar es ver las formas invisibles
    a distancia imprecisa, y, con sensibles
    impulsos de esperanza y voluntad
    buscar allá en la fría línea del horizonte
    árboles, playas, flores, aves, fuentes:
    besos que nos debía la Verdad.




    (Traducción: Jesús Munárriz)


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    Mensaje por Maria Lua Vie 05 Ene 2024, 19:39


    ABDICAÇÃO



    Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços

    E chama-me teu filho.

           Eu sou um rei

    Que voluntariamente abandonei

    O meu trono de sonhos e cansaços.


    Minha espada, pesada a braços lassos,

    Em mãos viris e calmas entreguei;

    E meu ceptro e coroa, — eu os deixei

    Na antecâmara, feitos em pedaços.


    Minha cota de malha, tão inútil

    Minhas esporas, de um tinir tão fútil,

    Deixei-as pela fria escadaria.


    Despi a realeza, corpo e alma,

    E regressei à noite antiga e calma

    Como a paisagem ao morrer do dia.




    ***************



    Abdicación



    Tómame, oh noche eterna, en tus brazos
    y llámame hijo.
    Yo soy un rey
    que voluntariamente abandoné
    mi trono de ensueños y cansancios.

    Mi espada, pesada en brazos flojos,
    a manos viriles y calmas entregué;
    y mi cetro y corona-yo los dejé
    en la antecámara, hechos pedazos.

    Mi cota de malla, tan inútil,
    mis espuelas, de un tintineo tan fútil,
    las dejé por la fría escalinata.

    Desvestí la realeza, cuerpo y alma,
    y regresé a la noche antigua y serena
    como el paisaje al morir el día.




    ***********





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    Mensaje por Maria Lua Dom 07 Ene 2024, 12:25

    APONTAMENTO



    A minha alma partiu-se como um vaso vazio.

    Caiu pela escada excessivamente abaixo.

    Caiu das mãos da criada descuidada.

    Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

    Asneira? Impossível? Sei lá!

    Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.

    Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

    Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.

    Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada

    E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

    Não se zangam com ela.

    São tolerantes com ela.

    O que eu era um vaso vazio?

    Olham os cacos absurdamente conscientes,

    Mas conscientes de si-mesmos, não conscientes deles.

    Olham e sorriem.

    Sorriem tolerantes à criada involuntária.

    Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.

    Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.

    A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?

    Um caco.

    E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem porque ficou ali.





    s.d.
    Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 281.




    **************************



    Apunte


    Mi alma se rompió como un cuenco vacío.
    Cayó escaleras excesivamente abajo.
    Cayó de las manos de una criada descuidada.
    Cayó, y se hizo más pedazos que loza había en el cuenco.

    ¿Tontería? ¿Imposible? ¡Yo no sé!
    Tengo más sensaciones que cuando me sentía yo.
    Soy una dispersión de trozos sobre un felpudo sin sacudir.

    El ruido hecho al caer fue como de cuenco al romperse.
    Los dioses que hay se asoman a la barandilla de la escalera.
    Y contemplan los pedazos que su criada hizo de mí.

    No os enfadéis con ella.
    Sed tolerantes con ella.
    Cuenco vacío, ¿qué era yo?

    Miran los pedazos absurdamente conscientes,
    más conscientes de sí mismos, no conscientes de ellos.

    Miran y sonríen.
    Sonríen tolerantes a la criada involuntaria.

    Se va extendiendo la gran escalinata alfombrada de estrellas.
    Un pedazo brilla, por el lado de su exterior lustroso, entre los astros.
    ¿Mi obra? ¿Mi alma principal? ¿Mi vida?
    Un pedazo.
    Y los dioses lo miran especialmente, pues no saben por qué ha quedado allí.




    (Traducción: José Antonio Llardent)




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    Mensaje por Maria Lua Lun 08 Ene 2024, 08:31

    Aniversário


    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
    Eu era feliz e ninguém estava morto.
    Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
    E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
    Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
    De ser inteligente para entre a família,
    E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

    Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
    Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
    Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
    O que fui de coração e parentesco.

    O que fui de serões de meia-província,
    O que fui de amarem-me e eu ser menino,
    O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
    A que distância!…
    (Nem o acho…)

    O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
    O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
    Pondo grelado nas paredes…
    O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
    O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
    É terem morrido todos,
    É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…

    No tempo em que festejavam
    o dia dos meus anos…
    Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

    Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
    Por uma viagem metafísica e carnal,
    Com uma dualidade de eu para mim…
    Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
    Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui…

    A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
    com mais copos,
    O aparador com muitas coisas: doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
    As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, no tempo em que
    festejavam o dia dos meus anos… Para, meu coração!
    Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

    Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
    Hoje já não faço anos.
    Duro.
    Somam-se-me dias.
    Serei velho quando o for.

    Mais nada.
    Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…
    O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!…


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    Mensaje por Maria Lua Miér 10 Ene 2024, 09:25

    Braço sem corpo brandindo um gládio


    Entre a árvore e o vê-la

    Onde está o sonho?

    Que arco da ponte mais vela

    Deus?... E eu fico tristonho

    Por não saber se a curva da ponte

    É a curva do horizonte...


    Entre o que vive e a vida

    Para que lado corre o rio?

    Árvore de folhas vestida —

    Entre isso e Árvore há fio?

    Pombas voando — o pombal

    Está-lhes sempre à direita, ou é real?


    Deus é um grande Intervalo,

    Mas entre quê e quê?...

    Entre o que digo e o que calo

    Existo? Quem é que me vê?

    Erro-me... E o pombal elevado

    Está em torno na pomba, ou de lado?




    s.d.
    «ALÉM-DEUS». Orpheu, nº 3. (Lisboa: 1916) (Preparação do texto, introdução e cronologia de Arnaldo Saraiva.) Lisboa: Ática, 1984.  - 39.
    Poema nº 3 de Orpheu, que não chegou a ser publicado.




    ***********************


    Brazo sin cuerpo blandiendo un gladio*


    Entre el árbol y el verlo,
    ¿Dónde está el sueño?
    ¿Qué arco del puente más vela
    Dios?...Me entristece
    No saber si esa curva del puente
    Es la curva del horizonte.

    Entre el que vive y la vida,
    ¿Hacia qué lado va el río?
    Árbol vestido por hojas,
    Entre eso y Árbol ¿hay un hilo?
    Palomas volando, el palomar
    ¿Está siempre a su derecha, o es real?

    Dios es un gran Intervalo,
    pero, ¿entre qué y qué?...
    Entre lo que digo y callo,
    ¿Existo? ¿Quién es el que me ve?
    Errar de mí...Y el palomar alto,
    ¿Envuelve a la paloma, o está a un lado?


    *Desusado: pequeña espada de los gladiadores. N.T

    (Traducción:José Antonio Llardent)





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    Mensaje por Maria Lua Vie 12 Ene 2024, 10:25

    Alberto Caeiro


    O amor é uma companhia



    O amor é uma companhia.

    Já não sei andar só pelos caminhos,

    Porque já não posso andar só.

    Um pensamento visível faz-me andar mais depressa

    E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

    Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.

    E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

    Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.

    Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

    Todo eu sou qualquer força que me abandona.

    Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.




    10-7-1930
    “O Pastor Amoroso”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). - 100.


    *******************


    El amor es una compañía.


    El amor es una compañía.
    Ya no sé andar solo por los caminos,
    Porque ya no puedo andar solo.
    Un pensamiento visible me hace andar más de
    prisa
    Y ver menos, y al mismo tiempo gustar de ir
    viendo todo.
    aun la ausencia de ella es una cosa que está
    conmigo.
    Y yo gusto tanto de ella que no sé cómo desearla.
    Si no la veo, la imagino y soy fuerte como los
    árboles altos.
    Pero si la veo tiemblo, no sé qué se ha hecho
    de lo que siento en ausencia de ella.
    todo yo soy cualquier fuerza que me abandona.
    Toda la realidad me mira como un girasol con la
    cara de ella en el medio.


    Traducción: Rodolfo Alonso


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Dom 14 Ene 2024, 07:49

    Alberto Caeiro


    XVI - Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois




    Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois

    Que vem a chiar, manhaninha cedo, pela estrada,

    E que para de onde veio volta depois

    Quase à noitinha pela mesma estrada.



    Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas...

    A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...

    Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas

    E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.



    Ou então faziam de mim qualquer coisa diferente

    E eu não sabia nada do que de mim faziam...

    Mas eu não sou um carro, sou diferente

    Mas em que sou realmente diferente nunca me diriam.





    4-3-1914
    “O Guardador de Rebanhos”. Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994. - 65.

    1ª versão inc.: Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luís de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946.



    *********************


    El guardador de rebaños (XVI)



    Ojalá fuera mi vida un carro de bueyes
    que mañanita temprano chirriando va por el camino
    y que hacia de donde vino volverá después,
    casi anochecido, por el mismo camino.

    No tendría que tener esperanzas -sólo tendría que tener ruedas...
    Mi vejez no tendría arrugas ni cabello blanco...
    Cuando ya no sirviera me quitarían las ruedas
    y quedaría volcado y roto en el fondo de un barranco.





    (Traducción: José Antonio Llardent)





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    Mensaje por Maria Lua Mar 16 Ene 2024, 20:42


    Alberto Caeiro
    LAST POEM


    (ditado pelo poeta no dia da sua morte)



    É talvez o último dia da minha vida.

    Saudei o sol, levantando a mão direita,

    Mas não o saudei, para lhe dizer adeus.

    Fiz sinal de gostar de o ver ainda, mais nada.



    1920?
    “Poemas Inconjuntos”. Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994. - 152.

    1ª versão inc.: Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luís de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946.

    **************************

    Es tal vez el último día de mi vida.


    Es tal vez el último día de mi vida.
    He saludado al sol levantando la mano derecha,
    mas no lo he saludado diciendo adiós.
    Hice la seña de que me gustaba verlo antes: nada más.


    (Traducción: José Antonio Llardent)


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 20 Ene 2024, 16:25

    Falas de Civilização, e de não Dever Ser


    Falas de civilização, e de não dever ser,
    Ou de não dever ser assim.
    Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
    Com as cousas humanas postas desta maneira.
    Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
    Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
    Escuto sem te ouvir.
    Para que te quereria eu ouvir?
    Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
    Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
    Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
    Ai de ti e de todos que levam a vida
    A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

    Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
    Heterónimo de Fernando Pessoa





    ******************



    Hablas de civilización, y de que no debe ser,
    o de que no debe ser así.
    Dices que todos sufren, o la mayoría de todos,
    con las cosas humanas por estar tal como están.
    Dices que si fueran diferente sufriríamos menos.
    Dices que si fueran como tú quieres sería mejor.
    Te escucho sin oír.
    ¿Para qué habría de querer oír?
    Por oírte a ti nada sabría.
    Si las cosas fuesen diferentes, serían diferentes: esto es todo.
    Si las cosas fuesen como tú quieres, serían sólo como tú quieres.
    ¡Ay de ti y de todos los que pasan la vida
    queriendo inventar la máquina de hacer felicidad!


    Traducción: José Antonio Llardent)




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    Mensaje por Maria Lua Dom 21 Ene 2024, 10:40

    Fernando Pessoa

    HORA ABSURDA


    O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...

    Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...

    E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas


    Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...

    Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...

    O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...

    Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e entanto


    Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...

    Abre todas as portas e que o vento varra a ideia

    Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...

    Minha alma é uma caverna enchida pela maré cheia,


    E a minha ideia de te sonhar uma caravana de histriões...

    Chove ouro baço, mas não no lá-fora... É em mim... Sou a Hora,

    E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela...

    Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...


    No meu céu interior nunca houve uma única estrela...

    Hoje o céu é pesado como a ideia de nunca chegar a um porto...

    A chuva miúda é vazia... a Hora sabe a ter sido...

    Não haver qualquer coisa como leitos para as naus!... Absorto


    Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...

    Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,

    Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há,

    Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,


    E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...

    Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos...

    Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas...

    Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas...


    E a erva cresceu nas vias férreas com viços daninhos...

    Ah, como esta hora é velha!... E todas as naus partiram!

    Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam

    De Longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram


    Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...

    O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono

    Da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada

    E sente saudades de si ante aquele lugar-Outono...


    Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...

    A doida partiu todos os candelabros glabros,

    Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas...

    E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos candelabros...


    E que querem ao lado aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?...

    Porque me aflijo e me enfermo?... Deitam-se nuas ao luar

    Todas as ninfas... Veio o sol e já tinham partido...

    O teu silêncio que me embala é a ideia de naufragar,


    E a ideia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido...

    Já não há caudas de pavões todas olhos nos jardins de outrora...

    As próprias sombras estão mais tristes... Ainda

    Há rastos de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora


    Um como que eco de passos pela alameda que eis finda...

    Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...

    As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...

    Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma,


    E eu ver isso em ti é um porto sem navios...

    Ergueram-se a um tempo todos os remos... Pelo ouro das searas

    Passou uma saudade de não serem o mar.. Em frente

    Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras.
    ..

    Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente...

    Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol!

    Todas as princesas sentiram o seio oprimido...

    Da última janela do castelo só um girassol


    Se vê, e o sonhar que há outros põe brumas no nosso sentido...

    Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...

    Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...

    Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula..
    .

    Porque não há-de ser o Norte o Sul?... O que está descoberto?...

    E eu deliro... De repente pauso no que penso... Fito-te

    E o teu silêncio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho...

    Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,


    E a tua ideia sabe à lembrança de um sabor de medonho...

    Para que não ter por ti desprezo? Porque não perdê-lo?...

    Ah, deixa que eu te ignore... O teu silêncio é um leque —

    Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,


    Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...

    Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos...

    Murcharam mais flores do que as que havia no jardim...

    O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,


    E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...

    Alguém vai entrar pela porta... Sente-se o ar sorrir...

    Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...

    Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há-de vir,


    O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...

    É preciso destruir o propósito de todas as pontes,

    Vestir de alheamento as paisagens de todas as terras,

    Endireitar à força a curva dos horizontes,


    E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...

    Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...

    Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã — como nos desalegra!...

    Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem


    O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...

    Suave. como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...

    Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...

    A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,


    E o meu saber-te a sorrir uma flor murcha a meu peito...

    Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...

    Ah, se fôssemos as duas cores de uma bandeira de glória!...

    Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia baptismal,


    Pendão de vencidos tendo escrito ao centro este lema — Vitória!

    O que é que me tortura?... Se até a tua face calma

    Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos...

    Não sei... Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...


    Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...





    4-7-1913
    Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). - 21.
    1ª publ. in Exílio , nº 1. Lisboa: Abr. 1916.



    ************************


    Tu silencio es una nave con todas las velas llenas...
    Blandas, las brisas juegan en las flámulas, tu sonrisa...
    Y tu sonrisa en tu silencio es la escalera y las andas
    con que me finjo más alto y junto a cualquier paraíso...

    Mi corazón es un ánfora que cae y que se quiebra...
    Tu silencio lo recoge y quebrado lo arrincona...
    Mi idea de ti es un cadáver que el mar trae a la playa..., y mientras tanto
    tú eres la tela irreal en la que mi arte yerra el color...

    Abre todas las puertas y que el viento barra la idea
    que tenemos de que un humo perfuma de ocio los salones...
    Mi alma es una caverna colmada por la marea alta,
    y mi idea de soñarte una caravana de histriones...

    Llueve oro mate, mas no en lo exterior... Es dentro de mí... Soy la Hora,
    y la Hora es de asombros y toda ella escombros de ella misma...
    En mi atención hay una viuda pobre que nunca llora...
    En mi cielo interior nunca hubo una sola estrella..

    Hoy el cielo es pesado como la idea de no llegar nunca a un puerto...
    La lluvia menuda está vacía... La Hora sabe a haber sido...
    ¡Y no haber algo como lechos para las naves!...
    Absorta en alienarse de sí, tu mirada es una plaga sin sentido...

    Todas mis horas están hechas de jaspe negro,
    mis ansias todas talladas en un mármol que no existe,
    no es alegría ni dolor este dolor con el que me alegro,
    y mi bondad inversa no es ni buena ni mala...

    Los haces de los lictores se abrieron al borde de los caminos...
    Los pendones de las victorias medievales no llegaron ni a las cruzadas...
    Pusieron infolios útiles entre las piedras de las barricadas...
    Y la hierba creció en las vías férreas con lozanía dañina...

    ¡Ah, qué vieja es esta hora!... ¡Y todas las naves partieron!
    En la playa sólo un cabo muerto y unos restos de vela hablan
    de lo Lejano, de las horas del Sur, de donde nuestros sueños sacan
    aquella angustia de más soñar que hasta callan para sí...

    El palacio está en ruinas... Duele ver en el parque el abandono
    de la fuente sin surtidor... Nadie levanta la mirada del camino
    y siente saudades de sí ante aquel lugar-otoño...
    Este paisaje es un manuscrito con la frase más bella suprimida...

    La loca partió todos los candelabros glabros,
    ensució de humano el lago con cartas rasgadas, muchas...
    Y mi alma es aquella luz que nunca más tendrán los candelabros...
    ¿Y qué quieren del lago aciago mis ansias, brisas fortuitas?...

    ¿Por qué me aflijo y me enfermo?... Se acuestan desnudas al claro de luna
    todas las ninfas... Vino el sol y habían ya partido...
    Tu silencio que me arrulla es la idea de naufragar,
    y la idea de que tu voz suene a lira de un Apolo fingido...

    Ya no hay colas de pavos todo ojos en los jardines de otrora...
    Las propias sombras están más tristes... Aún
    hay rastros de ropas de ayas (parece) en el suelo, y aún llora
    un como eco de pasos por la alameda que velahí concluida...

    Todos los ocasos se fundieron en mi alma...
    Las hierbas de todos los prados fueron frescas bajo mis pies fríos...
    Secó en tu mirada la idea de creerte calma,
    y el ver yo eso en ti es como un puerto sin navíos...

    Se irguieron al tiempo todos los remos... Por el oro de los trigales
    pasó una saudade de no ser mar... Frente
    a mi trono de alienación hay gestos con piedras raras...
    Mi alma es una lámpara que se apagó y aún está caliente...

    ¡Ah, y tu silencio es un perfil de cúspide al sol!
    Todas las princesas sintieron el seno oprimido...
    De la última ventana del castillo sólo un girasol
    se ve, y el soñar que hay otros pone brumas en nuestro sentido...

    ¡Ser, y no ser ya más!... ¡Oh leones nacidos en la jaula!...
    Repicar de campanas hacia más allá, en el Otro Valle... ¿Cerca?...
    Arde el colegio y un niño quedó encerrado en el aula...
    ¿Por qué no ha de ser el Norte el Sur?... ¿Qué es lo que está descubierto?...

    Y yo deliro... De repente hago pausa en lo que pienso... Te miro
    y tu silencio es una ceguera mía... Te miro y sueño...
    Hay cosas rojas y cobrizas en el modo de meditarte,
    y tu idea sabe a recuerdo del sabor de un espanto...

    ¿Para qué no sentir por ti desprecio? ¿Por qué no perderlo?...
    Ah, deja que te ignore... Tu silencio es un abanico-
    un abanico cerrado, un abanico que abierto sería tan bello, tan bello,
    pero más bello es no abrirlo, para que la Hora no peque...

    Se helaron todas las manos cruzadas sobre todos los pechos..
    Se ajaron más flores de las que había en el jardín...
    Mi manera de amarte es una catedral de silencios escogidos,
    y mis sueños una escalera sin principio pero con fin...

    Alguien va a entrar por la puerta... Se siente sonreír el aire...
    Tejedoras viudas gozan las mortajas de vírgenes que tejen...
    Ah, tu tedio es una estatua de una mujer que ha de venir,
    el perfume que los crisantemos tendrían, si lo tuviesen...

    Es preciso destruir el propósito de todos los puentes,
    vestir de alienación los paisajes de todas las tierras,
    enderezar por fuerza la curva de los horizontes,
    y gemir por tener que vivir, como un ruido brusco de sierras...

    ¡Hay tan poca gente que ame los paisajes que no existen!...
    Saber que continuará habiendo el mismo mundo mañana-¡cómo nos entristece!...
    Que mi oír tu silencio no sean nubes que contristen
    tu sonrisa, ángel exiliado, y tu tedio, aureola negra...

    Suave, como tener madre y hermanas, la tarde rica desciende...
    No llueve ya, y el vasto cielo es una gran sonrisa imperfecta...
    Mi conciencia de tener conciencia de ti es una prez,
    y mi saberte sonriendo es una flor mustia en mi pecho...

    ¡Ah, si fuésemos dos figuras en una lejana vidriera!...
    ¡Ah, si fuésemos los dos colores de una bandera de gloria!...
    Estatua acéfala retirada a un lado, polvorienta pila bautismal,
    pendón de vencidos que tuviese escrito en el centro este lema ¡Victoria!

    ¿Qué es lo que me tortura?... Si hasta tu faz tranquila
    sólo me llena de tedios y de opios de ocios temibles...
    No sé... Yo soy un loco que extraña su propia alma...

    Yo fui amado en efigie en un país más allá de los sueños...



    Traducción: Miguel Ángel Sepúlveda Espinoza



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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Jue 25 Ene 2024, 09:54



    Arquivo Pessoa
    OBRA ÉDITA · FACSIMILE
    Fernando Pessoa
    Quarto: AS ILHAS AFORTUNADAS





    AS ILHAS AFORTUNADAS




    Que voz vem no som das ondas

    Que não é a voz do mar?

    É a voz de alguém que nos fala,

    Mas que, se escutamos, cala,

    Por ter havido escutar.

    E só se, meio dormindo,

    Sem saber de ouvir ouvimos,

    Que ela nos diz a esperança

    A que, como uma criança

    Dormente, a dormir sorrimos.

    São ilhas afortunadas,

    São terras sem ter lugar,

    Onde o Rei mora esperando.

    Mas, se vamos despertando,

    Cala a voz, e há só o mar.




    26-3-1934
    Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 85.


    ************************


    Islas afortunadas


    ¿Qué voz viene sobre el sonido de las olas
    que no es la voz del mar?

    ¿Será la voz de alguien que nos habla,
    pero que, si escuchamos, calla,
    precisamente por habernos puesto a escuchar?

    Y sólo si, medio adormecidos,
    oímos sin saber que oímos,
    ella nos habla de la esperanza
    hacia la que, como un niño
    que duerme, durmiendo sonreímos.

    Son islas afortunadas,
    son tierras que no tienen lugar,
    donde el Rey vive esperando.
    Pero si andamos despertando,
    calla la voz, y sólo es el mar.




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    Mensaje por Maria Lua Vie 26 Ene 2024, 19:10


    Distância

    Nós nunca nos realizamos.
    Somos dois abismos - um poço fitando o céu


    ***************

    Letanía

    Nosotros no nos realizamos nunca.
    Somos un abismo que va hacia otro abismo -un pozo que mira al Cielo.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 27 Ene 2024, 10:35

    Fernando Pessoa
    VI. OS COLOMBOS
    VI

    OS COLOMBOS


    Outros haverão de ter

    O que houvermos de perder.

    Outros poderão achar

    O que, no nosso encontrar,

    Foi achado, ou não achado,

    Segundo o destino dado.



    Mas o que a eles não toca

    É a Magia que evoca

    O Longe e faz dele história.

    E por isso a sua glória

    É justa auréola dada

    Por uma luz emprestada.



    2-4-1934
    Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 65.


    ***************

    Los colones


    Otros habrán de tener
    lo que habremos de perder.
    Otros podrán encontrar
    lo que, en nuestro descubrir,
    fue encontrado o no encontrado
    según el destino dado.

    Pero lo que tendrán
    nunca es la Magia que evoca
    lo Lejano y hace historia
    con ello. Y así su gloria
    sólo es la aureola dada
    por una lumbre prestada.


    Traducción: Jesús Munárriz



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    Mensaje por Maria Lua Mar 30 Ene 2024, 06:53




    Arquivo Pessoa

    Fernando Pessoa


    Tenho dó das estrelas


    Tenho dó das estrelas

    Luzindo há tanto tempo,

    Há tanto tempo...

    Tenho dó delas.


    Não haverá um cansaço

    Das coisas.

    De todas as coisas,

    Como das pernas ou de um braço?


    Um cansaço de existir,

    De ser,

    Só de ser,

    O ser triste brilhar ou sorrir...


    Não haverá, enfim,

    Para as coisas que são,

    Não a morte, mas sim

    Uma outra espécie de fim,

    Ou uma grande razão —

    Qualquer coisa assim

    Como um perdão?



    s. d.
    Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). - 204.
    1ª publ. in Mensagem , nº 1. Abr. 1938.



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    **********************


    Me da lástima de las estrellas
    luciendo hace tanto tiempo,
    hace tanto tiempo...
    Me da lástima de ellas.

    ¿No habrá un cansancio
    de las cosas,
    de todas las cosas,
    como de las piernas o de un brazo?

    Un cansancio de existir,
    de ser,
    sólo de ser,
    el ser triste brillar o sonreír...

    ¿No habrá, en fin,
    para las cosas que son,
    no la muerte, mas sí
    otra suerte de fin,
    o una gran razón-
    cualquier cosa así
    como un perdón?




    Traducción: Miguel Ángel Sepúlveda Espinoza


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    Mensaje por Maria Lua Miér 31 Ene 2024, 08:53


    Se tudo o que há é mentira,




    Se tudo o que há é mentira,

    É mentira tudo o que há.

    De nada nada se tira,

    A nada nada se dá.


    Se tanto faz que eu suponha

    Uma coisa ou não com fé,

    Suponho-a se ela é risonha,

    Se não é, suponho que é.


    Que o grande jeito da vida

    É pôr a vida com jeito.

    Fana a rosa não colhida

    Como a rosa posta ao peito.


    Mais vale é o mais valer,

    Que o resto ortigas o cobrem

    E só se cumpra o dever

    Para que as palavras sobrem.



    14-10-1930
    Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990). - 22.



    **************


    Si todo es pura mentira,
    Mentira todo será.
    De nada nada se saca,
    A nada nada se da.

    Si tanto da que suponga
    Una cosa o no con fe,
    Si es risueña la supongo,
    Si no lo es, supongo que es.

    Que la gracia de vivir
    Es poner gracia en la vida.
    Muere la rosa en el pecho
    Igual que la no cogida.

    Más nos vale el más valer,
    Que el resto ortigas lo tapan,
    Y el deber sólo se cumpla
    Para que huelguen palabras.

    (Traducción: Ángel Crespo)





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    Mensaje por Maria Lua Jue 01 Feb 2024, 15:43

    Ricardo Reis

    Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia


    Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia

    Tinha não sei qual guerra,

    Quando a invasão ardia na Cidade

    E as mulheres gritavam,

    Dois jogadores de xadrez jogavam

    O seu jogo contínuo.


    À sombra de ampla árvore fitavam

    O tabuleiro antigo,

    E, ao lado de cada um, esperando os seus

    Momentos mais folgados,

    Quando havia movido a pedra, e agora

    Esperava o adversário,

    Um púcaro com vinho refrescava

    Sobriamente a sua sede.


    Ardiam casas, saqueadas eram

    As arcas e as paredes,

    Violadas, as mulheres eram postas

    Contra os muros caídos,

    Traspassadas de lanças, as crianças

    Eram sangue nas ruas...

    Mas onde estavam, perto da cidade,

    E longe do seu ruído,

    Os jogadores de xadrez jogavam

    O jogo do xadrez.


    Inda que nas mensagens do ermo vento

    Lhes viessem os gritos,

    E, ao reflectir, soubessem desde a alma

    Que por certo as mulheres

    E as tenras filhas violadas eram

    Nessa distância próxima,

    Inda que, no momento que o pensavam,

    Uma sombra ligeira

    Lhes passasse na fronte alheada e vaga,

    Breve seus olhos calmos

    Volviam sua atenta confiança

    Ao tabuleiro velho.


    Quando o rei de marfim está em perigo,

    Que importa a carne e o osso

    Das irmãs e das mães e das crianças?


    Quando a torre não cobre

    A retirada da rainha branca,

    O saque pouco importa.

    E quando a mão confiada leva o xeque

    Ao rei do adversário,

    Pouco pesa na alma que lá longe

    Estejam morrendo filhos.


    Mesmo que, de repente, sobre o muro

    Surja a sanhuda face

    Dum guerreiro invasor, e breve deva

    Em sangue ali cair

    O jogador solene de xadrez,

    O momento antes desse

    (É ainda dado ao cálculo dum lance

    Pra a efeito horas depois)

    É ainda entregue ao jogo predilecto

    Dos grandes indiferentes.


    Caiam cidades, sofram povos, cesse

    A liberdade e a vida,

    Os haveres tranquilos e avitos

    Ardem e que se arranquem,

    Mas quando a guerra os jogos interrompa,

    Esteja o rei sem xeque,

    E o de marfim peão mais avançado

    Pronto a comprar a torre.


    Meus irmãos em amarmos Epicuro

    E o entendermos mais

    De acordo com nós-próprios que com ele,

    Aprendamos na história

    Dos calmos jogadores de xadrez

    Como passar a vida.


    Tudo o que é sério pouco nos importe,

    O grave pouco pese,

    O natural impulsa dos instintos

    Que ceda ao inútil gozo

    (Sob a sombra tranquila do arvoredo)

    De jogar um bom jogo.


    O que levamos desta vida inútil

    Tanto vale se é

    A glória; a fama, o amor, a ciência, a vida,

    Como se fosse apenas

    A memória de um jogo bem jogado

    E uma partida ganha

    A um jogador melhor.


    A glória pesa como um fardo rico,

    A fama como a febre,

    O amor cansa, porque é a sério e busca,

    A ciência nunca encontra,

    E a vida passa e dói porque o conhece...

    O jogo do xadrez

    Prende a alma toda, mas, perdido, pouco

    Pesa, pois não é nada.


    Ah! sob as sombras que sem querer nos amam,

    Com um púcaro de vinho

    Ao lado, e atentos só à inútil faina

    Do jogo do xadrez,

    Mesmo que o jogo seja apenas sonho

    E não haja parceiro,

    Imitemos os persas desta história,

    E, enquanto lá por fora,

    Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida

    Chamam por nós, deixemos

    Que em vão nos chamem, cada um de nós

    Sob as sombras amigas

    Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez

    A sua indiferença.


    1-6-1916
    Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994). - 57.


    ******************


    Ricardo Reis

    Oí decir que, en otro tiempo, cuando Persia



    Oí decir que, en otro tiempo, cuando Persia
    Tenía no sé cuál guerra,
    Cuando la invasión ardía en la Ciudad
    Y las mujeres gritaban,
    Dos jugadores de ajedrez jugaban
    Su juego continuo.

    A la sombra del amplio árbol miraban
    El tablero antiguo,
    Y, al lado de cada uno, esperando sus
    Momentos más holgados,
    Cuando habían movido una pieza, y
    Esperaban al adversario,
    Un jarro con vino refrescaba
    Sobriamente su sed.

    Ardían casas, saqueadas eran
    Las arcas y las paredes,
    Violadas, las mujeres eran puestas
    Contra los muros caídos,
    Traspasadas por las lanzas, las niñas
    Eran sangre en las calles…
    Pero donde estaban, cerca de la ciudad,
    Y lejos de su ruido,
    Los jugadores de ajedrez jugaban
    El juego del ajedrez.

    Aunque en los mensajes del yermo viento
    Les viniesen los gritos,
    Y, al reflexionar, supiesen desde el alma
    Que por cierto las mujeres
    Y las tiernas hijas eran violadas
    En esa victoria próxima.

    Aunque, en el momento que lo pensaban,
    Una sombra ligera
    Les pasase por la frente alejada y vaga,
    En breve sus ojos calmos
    Volvían la cuidadosa atención
    Al viejo tablero.

    Cuando el rey de marfil está en peligro,
    ¿Qué importan la carne y el hueso
    De las hermanas y de las madres y de las niñas?
    Cuando la torre no cubre
    La retirada de la alta reina,
    Poco importa la victoria.
    Y cuando la mano confiada lleva el jaque
    Al rey del adversario,
    Poco pesa en el alma que allá lejos
    Estén muriendo los hijos.

    Incluso que, de repente, sobre el muro
    Surja la sañuda cara
    De un guerrero invasor, y en breve deba
    En sangre ahí caer
    El jugador solemne de ajedrez,
    El momento antes de eso
    Está aún entregado al juego predilecto
    De los grandes indiferentes.

    Caigan ciudades, sufran pueblos, cese
    La libertad y la vida,
    Los haberes tranquilos y asegurados
    Ardan y que se arranquen,
    Pero cuando la guerra los juegos interrumpa,
    Esté el rey sin jaque,
    Y el peón de marfil más avanzado
    Listo a cobrar una torre.

    Mis hermanos en amarnos, Epicuro,
    Y en entendernos más
    De acuerdo con nosotros mismos y con él,
    Aprendamos en la historia
    De los calmos jugadores de ajedrez
    Cómo pasar la vida.

    Todo lo que es serio poco nos importe,
    Lo grave poco pese,
    El natural impulso de los instintos
    Que ceda al inútil gozo
    (Bajo la sombra tranquila de la arboleda)
    De jugar un buen juego.

    Lo que llevamos de esta vida inútil
    Tanto vale si es
    La gloria, la fama, el amor, la ciencia, la vida,
    Como si fuera apenas
    La memoria de un juego bien jugado
    Y una partida ganada
    A un mejor jugador.

    La gloria pesa como una rica carga,
    La fama como la fiebre,
    El amor cansa, porque es en serio y busca,
    La ciencia nunca encuentra,
    Y la vida pasa y duele porque lo conoce…
    El juego de ajedrez
    Prende el alma toda, pero, perdido, poco
    Pesa, pues no es nada.

    Ah, bajo las sombras que sin querer nos aman,
    Con un jarro de vino
    Al lado, y atentos sólo a la inútil faena
    Del juego del ajedrez,
    Ya sea el mismo juego apenas sueño
    Y que aún no haya contrincante,
    Imitemos a los persas de esta historia,
    Y, en cuanto allá afuera,
    O cerca o muy lejos, la guerra y la patria y la vida
    Llaman por nosotros, dejemos
    Que en vano nos llamen, cada uno de nosotros
    Bajo las sombras amigas
    Soñando, el jugador y sus contrincantes y el ajedrez
    En su indiferencia.






    1/6/1916



    *******************


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Vie 02 Feb 2024, 11:13



    Arquivo Pessoa

    Fernando Pessoa


    Fúria nas trevas o vento





    Fúria nas trevas o vento

    Num grande som de alongar

    Não há no meu pensamento

    Senão não poder parar


    Parece que a alma tem

    Treva onde sopre a crescer

    Uma loucura que vem

    De querer compreender.


    Raiva nas trevas o vento

    Sem se poder libertar.

    Estou preso ao meu pensamento

    Como o vento preso ao ar.




    23-5-1932
    Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). - 141.



    **********************

    Rabia en la tiniebla el viento
    Con un gran son de alejar.
    Y no hay en mi pensamiento
    Sino no poder parar.

    Parece que el alma tiene
    Tiniebla en la que crecer
    Una locura que viene
    De desear comprender.

    Rabia en la tiniebla el viento
    Y no se escapa por eso.
    Estoy preso al pensamiento
    Como el viento al aire preso.



    (Traducción: Ángel Crespo)



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    Mensaje por Maria Lua Sáb 03 Feb 2024, 21:28



    Arquivo Pessoa

    Alberto Caeiro

    XXX - Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o.




    Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o.

    Sou místico, mas só com o corpo.

    A minha alma é simples e não pensa.



    O meu misticismo é não querer saber.

    É viver e não pensar nisso.



    Não sei o que é a Natureza: canto-a.

    Vivo no cimo dum outeiro

    Numa casa caiada e sozinha,

    E essa é a minha definição.




    s.d.
    “O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). - 55.
    “O Guardador de Rebanhos”. 1ª publ. in Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.







    ******************


    Pues queréis que tenga un misticismo, bien: lo tengo.
    Soy místico, pero sólo con el cuerpo.
    Mi alma es sencilla y no piensa.
    Mi misticismo es no querer saber.
    Es vivir y no pensar que vivo.

    No sé lo que la Naturaleza es: la canto.
    Vivo en la cima de un otero,
    en una casa encalada y solitaria,
    y esto me define.




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    Mensaje por Maria Lua Lun 05 Feb 2024, 09:32

    Fernando Pessoa


    Súbita mão de algum fantasma oculto


    Súbita mão de algum fantasma oculto

    Entre as dobras da noite e do meu sono

    Sacode-me e eu acordo, e no abandono

    Da noite não enxergo gesto ou vulto.


    Mas um terror antigo, que insepulto

    Trago no coração, como de um trono

    Desce e se afirma meu senhor e dono

    Sem ordem, sem meneio e sem insulto.


    E eu sinto a minha vida de repente

    Presa por uma corda de Inconsciente

    A qualquer mão nocturna que me guia.


    Sinto que sou ninguém salvo uma sombra

    De um vulto que não vejo e que me assombra,

    E em nada existo como a treva fria.



    14-3-1917
    Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). - 81.



    ************************


    Súbita mano de algún fantasma oculto
    entre los pliegues de la noche y de mi sueño
    me sacude y yo despierto, y en el abandono
    de la noche no diviso gesto ni bulto.

    Pero un terror antiguo, que insepulto
    traigo en el corazón, como de un trono
    baja y se afirma mi señor y dueño
    sin orden, sin meneo y sin insulto.

    Y yo siento mi vida de repente
    presa por una cuerda de Inconsciente
    a cualquier mano nocturna que me guía.

    Siento que soy nadie salvo una sombra
    de un bulto que no veo y que me asombra,
    y en nada existo como la tiniebla fría.







    Traducción: Miguel Ángel Sepúlveda Espinoza





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    Mensaje por Maria Lua Vie 09 Feb 2024, 17:08

    Fernando Pessoa



    A tua voz fala amorosa...

    Tão meiga fala que me esquece

    Que é falsa a sua branda prosa.

    Meu coração desentristece.


    Sim, como a música sugere

    O que na música não está,

    Meu coração nada mais quer

    Que a melodia que em ti há...


    Amar-me? Quem o crera? Fala

    Na mesma voz que nada diz

    Se és uma música que embala.

    Eu ouço, ignoro, e sou feliz.


    Nem há felicidade falsa,

    Enquanto dura é verdadeira.

    Que importa o que a verdade exalça

    Se sou feliz desta maneira?



    22-1-1929
    Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). - 108.



    **************


    Tu voz habla amorosa...
    Tan tierna habla que me olvido
    de que es falsa su blanda prosa.
    Mi corazón desentristece.

    Sí, así como la música sugiere
    lo que en la música no está,
    mi corazón nada más quiere
    que la melodía que en ti hay...

    ¿Amarme? ¿Quién lo creería? Habla
    con la misma voz que nada dice
    si eres una música que arrulla.
    Yo oigo, ignoro, y soy feliz.

    Ni hay felicidad falsa,
    mientras dura es verdadera.
    ¿Qué importa lo que la verdad exalta
    si soy feliz de esta manera?



    Traducción: Miguel Ángel Sepúlveda Espinoza




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    Mensaje por Maria Lua Miér 14 Feb 2024, 09:32

    Álvaro de Campos



    Ah a frescura na face de não cumprir um dever!



    Ah a frescura na face de não cumprir um dever!

    Faltar é positivamente estar no campo!

    Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!

    Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.

    Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,

    Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.

    Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.

    Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.

    É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,

    Deliberadamente à mesma hora...

    Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.

    É tão engraçada esta parte assistente da vida!

    Até não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,

    Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.




    17-6-1929
    Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 40.



    ****************


    ¡Ah, ese frescor en la cara de no cumplir un deber!
    Faltar es, positivamente, estar en el campo.
    ¡Qué refugio, que no se pueda tener confianza en uno!
    Respiro mejor ahora que ha pasado la hora de las citas.
    Falté a todas, con deliberación en el descuido,
    esperando esa gana de ir que ya sabía yo que no vendría.
    Soy libre frente a la sociedad organizada y vestida.
    Estoy desnudo, y me zambullo en el agua de mi imaginación.
    Es tarde para estar en cualquiera de los dos puntos
    donde debía estar a la misma hora,
    deliberadamente a la misma hora...
    Pues bien, aquí me quedaré soñando versos y sonriendo en cursiva.
    ¡Es tan graciosa esta parte lateral de la vida!
    No consigo siquiera encender el cigarrillo siguiente...Si
    es un gesto,
    que quede con los otros que me esperan en este
    desencuentro que es la vida.





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    Mensaje por Maria Lua Lun 19 Feb 2024, 08:37

    Fernando Pessoa
    Quinta: D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL



    D. SEBASTIÃO

    REI DE PORTUGAL



    Louco, sim, louco, porque quis grandeza

    Qual a Sorte a não dá.

    Não coube em mim minha certeza;

    Por isso onde o areal está

    Ficou meu ser que houve, não o que há.



    Minha loucura, outros que me a tomem

    Com o que nela ia.

    Sem a loucura que é o homem

    Mais que a besta sadia,

    Cadáver adiado que procria?




    20-2-1933
    Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 42.




    ***********************


    Don Sebastián- Rey de Portugal


    Loco, sí, loco, por querer grandeza
    cual la Suerte no da.
    En mí no cupo toda mi certeza;
    por eso donde el arenal está
    quedó aquel ser que tuve, no el que hay.

    De mi locura, que otros se apoderen
    con lo que en ella había.
    ¿Qué es sin locura el hombre
    más que un animal sano,
    cadáver aplazado que procrea?





    Traducción: Jesús Munárriz)



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    Mensaje por Maria Lua Miér 21 Feb 2024, 19:36

    Fernando Pessoa
    Segundo: O DAS QUINAS


    O DAS QUINAS



    Os Deuses vendem quando dão.

    Compra-se a glória com desgraça.

    Ai dos felizes, porque são

    Só o que passa!


    Baste a quem baste o que lhe basta

    O bastante de lhe bastar!

    A vida é breve, a alma é vasta:

    Ter é tardar.


    Foi com desgraça e com vileza

    Que Deus ao Cristo definiu:

    Assim o opôs à Natureza

    E Filho o ungiu.




    8-12-1928
    Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 22.





    ***************



    El de las quintas


    Los dioses venden cuando dan.
    Gloria se compra con desgracia.
    ¡Pobres felices, porque sólo
    son lo que pasa!

    ¡Baste a quien baste lo que bástale,
    lo que para bastarle basta!
    La vida es breve, vasta el alma;
    tener es tardar.

    Fue con desgracia y con vileza
    como al Cristo definió Dios:
    así lo opuso a la Naturaleza
    e Hijo lo ungió.


    Traducción: Jesús Munárriz






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    Mensaje por Maria Lua Sáb 24 Feb 2024, 16:30


    Álvaro de Campos


    Começo a conhecer-me. Não existo.

    Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,

    Ou metade desse intervalo, porque também há vida...

    Sou isso, enfim...

    Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.

    Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.

    É um universo barato.






    s.d.
    Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 124.





    *******************

    Empiezo a conocerme. No existo.
    Soy el intervalo entre lo que deseo ser y los demás me hicieron,
    o la mitad de ese intervalo, porque además hay vida...
    Soy esto, en fin...
    Apaga la luz, cierra la puerta y deja de hacer ruido de
    zapatillas en el pasillo.
    Quede solo yo en el cuarto con el gran sosiego de mí mismo.
    Es un universo barato.





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    Mensaje por Maria Lua Mar 27 Feb 2024, 21:01

    Fernando Pessoa



    ISTO


    Dizem que finjo ou minto
    Tudo que escrevo. Não.
    Eu simplesmente sinto
    Com a imaginação.
    Não uso o coração.

    Tudo o que sonho ou passo,
    O que me falha ou finda,
    É como que um terraço
    Sobre outra coisa ainda.
    Essa coisa é que é linda.

    Por isso escrevo em meio
    Do que não está ao pé,
    Livre do meu enleio,
    Sério do que não é.
    Sentir? Sinta quem lê!



    s. d.
    Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.)
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    1ª publ. in Presença , nº 38. Coimbra: Abr. 1933.







    *******************


    Esto


    Dicen que finjo o miento
    todo lo que escribo. No.
    Yo simplemente siento
    con la imaginación.
    No uso el corazón.

    Todo lo que sueño o vivo,
    lo que me falla o termina,
    es como una terraza
    sobre otra cosa aún.
    Esa cosa es la que es bella.

    Por eso escribo en medio
    de lo que no está cerca,
    libre de mi titubeo,
    serio de lo que no es.
    ¿Sentir? ¡Sienta quien lee!



    Traducción: Miguel Ángel Sepúlveda Espinoza








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    Mensaje por Maria Lua Sáb 02 Mar 2024, 09:13

    HÁ DOENÇAS PIORES QUE AS DOENÇAS



    Há doenças piores que as doenças,
    Há dores que não doem, nem na alma
    Mas que são dolorosas mais que as outras.
    Há angústias sonhadas mais reais
    Que as que a vida nos traz, há sensações
    Sentidas só com imaginá-las
    Que são mais nossas do que a própria vida.
    Há tanta coisa que, sem existir,
    Existe, existe demoradamente,
    E demoradamente é nossa e nós…
    Por sobre o verde turvo do amplo rio
    Os circunflexos brancos das gaivotas…
    Por sobre a alma o adejar inútil
    Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.

    Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.



    Fernando Pessoa, Obra poética



    *****************



    Hay dolencias peores que las dolencias,
    hay dolores que no duelen, ni en el alma
    pero que son dolorosos más que los otros.
    Hay angustias soñadas más reales
    que las que la vida nos trae, hay sensaciones
    sentidas sólo con imaginarlas
    que son más nuestras que la misma vida.
    Hay tantas cosas que, sin existir,
    existen, existen demoradamente,
    y demoradamente son nuestras y nosotros...
    Por sobre el verde turbio del ancho río
    los circunflejos blancos de las gaviotas...
    Por sobre el alma el aleteo inútil
    de lo que no fue, ni puede ser, y es todo.

    Dame más vino, porque la vida es nada.





    Traducción: Miguel Ángel Sepúlveda Espinoza








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