Aires de Libertad

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    FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

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    Mensaje por Maria Lua Mar 15 Nov - 11:52

    266.



    Quando vim primeiro para Lisboa, havia, no andar lá de cima de onde
    morávamos, um som de piano tocado em escalas, aprendizagem monótona da
    menina que nunca vi. Descubro hoje que, por processos de infiltração que
    desconheço, tenho ainda nas caves da alma, audíveis se abrem a porta lá de
    baixo, as escalas repetidas, tecladas, da menina hoje senhora outra, ou morta e
    fechada num lugar branco’ onde verdejam negros os ciprestes.

    Eu era criança, e hoje não o sou; o som, porém, é igual na recordação ao
    que era na verdade, e tem, perenemente presente, se se ergue de onde finge
    que dorme, a mesma lenta teclagem, a mesma rítmica monotonia. Invade-me,
    de o considerar ou sentir, uma tristeza difusa, angustiosa, minha.
    Não choro a perda da minha infância; choro que tudo, e nele a (minha)
    infância, se perca. É a fuga abstrata do tempo, não a fuga concreta do tempo
    que é meu, que me dói no cérebro físico pela recorrência repetida,
    involuntária, das escalas do piano lá de cima, terrivelmente anónimo e
    longínquo. É todo o mistério de que nada dura que martela repetidamente
    coisas que não chegam a ser música, mas são saudade, no fundo absurdo da
    minha recordação.

    Insensivelmente, num erguer visual, vejo a saleta que nunca vi, onde a
    aprendiz a que não conheci está ainda hoje relatando, dedo a dedo cuidadosos,
    as escalas sempre iguais do que já está morto. Vejo, vou vendo mais,
    reconstruo vendo. E todo o lar lá do andar de cima, saudoso hoje mas não
    ontem, vem erguendo-se fictício da minha contemplação desentendida.
    Suponho, porém, que nisto tudo sou translato, que a saudade que sinto não
    é bem minha, nem bem abstrata, mas a emoção intercetada de não sei que
    terceiro, a quem estas emoções, que em mim são literárias, fossem — di-lo-ia
    Vieira — literais. E na minha suposição de sentir que me magoo e angustio, e
    as saudades, a cuja sensação se me mareiam os olhos próprios, é por
    imaginação e outridade que as penso e sinto.

    E sempre, com uma constância que vem do fundo do mundo, com uma
    persistência que estuda metafisicamente, soam, soam, soam, as escalas de
    quem aprende piano, pela espinha dorsal física da minha recordação. São as
    ruas antigas com outra gente, hoje as mesmas ruas diversas; são pessoas
    mortas que me estão falando, através da transparência da falta delas hoje; são
    remorsos do que fiz ou não fiz, sons de regatos na noite, ruídos lá em baixo
    na casa queda.

    Tenho ganas de gritar dentro da cabeça. Quero parar, esmagar, partir esse
    impossível disco gramofónico que soa dentro de mim em casa alheia,
    torturador intangível. Quero mandar parar a alma, para que ela, como veículo
    que me ocupassem, siga para diante só e me deixe. Endoideço de ter que
    ouvir. E por fim sou eu, no meu cérebro odientamente sensível, na minha pele
    pelicular, nos meus nervos postos à superfície, as teclas tecladas em escalas, ó
    piano horroroso e pessoal da nossa recordação.
    E sempre, sempre, como que numa parte do cérebro que se tornasse
    independente, soam, soam, soam escalas lá em baixo, lá em cima, da primeira
    casa de Lisboa onde vim habitar


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
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    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Mar 15 Nov - 11:53

    267.



    É a ultima morte do Capitão Nemo. Em breve morrerei também.
    Foi toda a minha infância passada que nesse momento ficou privada de
    poder durar.


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    Mensaje por Maria Lua Mar 15 Nov - 11:54

    268.


    O olfato é uma vista estranha. Evoca paisagens sentimentais por um
    desenhar súbito do subconsciente. Tenho sentido isto muitas vezes. Passo
    numa rua. Não vejo nada, ou antes, olhando tudo, vejo como toda a gente vê.
    Sei que vou por uma rua e não sei que ela existe com lados feitos de casas
    diferentes e construídas por gente humana. Passo numa rua. De uma padaria
    sai um cheiro a pão que nauseia por doce no cheiro dele: e a minha infância
    ergue-se de determinado bairro distante, e outra padaria me surge daquele
    reino das fadas que é tudo que se nos morreu. Passo numa rua. Cheira de
    repente às frutas do tabuleiro inclinado da loja estreita; e a minha breve vida
    de campo, não sei já quando nem onde, tem árvores ao fim e sossego no meu
    coração, indiscutivelmente menino. Passo uma rua. Transtorna-me, sem que
    eu espere, um cheiro aos caixotes do caixoteiro: ó meu Cesário, apareces-me e
    eu sou enfim feliz porque regressei, pela recordação, à única verdade, que é a
    literatura




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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 12:30

    269.



    Ter já lido os Pickwick Papers é uma das grandes tragédias da minha vida.
    (Não posso tornar a relê-los.)


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 12:30

    270.


    A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos
    os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os
    nossos — vis porque são nossos e vis porque são vis.
    O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares da arte,
    ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono e drogas tem
    cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e,
    quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele
    mesmo físico que serviram de estimular. Mas na arte não há desilusão porque
    a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela
    não dormimos, embora sonhássemos. Na arte não há tributo ou multa que
    paguemos por ter gozado dela
    .
    O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos
    nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele.
    Por arte entende-se tudo que nos delicia sem que seja nosso — o rasto da
    passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objetivo.
    Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma
    coisa a sua essência


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 12:31

    271.


    Não o amor, mas os arredores é que vale a pena...
    A repressão do amor ilumina os fenómenos dele com muito mais clareza
    que a mesma experiência. Há virgindades de grande entendimento. Agir
    compensa mas confunde. Possuir é ser possuído, e portanto perder-se. Só a
    ideia atinge, sem se estragar, o conhecimento da realidade.


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 12:32

    272.


    Cristo’ é uma forma da emoção.
    No panteão há lugar para os deuses que se excluem uns aos outros, e todos
    têm assento e regência. Cada um pode ser tudo, porque aqui não há limites,
    nem até lógicos, e gozamos, no convívio de vários eternos da coexistência de
    diferentes infinitos e de diversas eternidades.



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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 17:58

    273.


    A história nega as coisas certas. Há períodos de ordem em que tudo é vil e
    períodos de desordem em que tudo é alto. As decadências são férteis em
    virilidade mental; as épocas de força em fraqueza do espírito. Tudo se mistura
    e se cruza, e não há verdade senão no supô-la.
    Tantos nobres ideais caídos entre o estrume, tantas ânsias verdadeiras
    extraviadas entre o enxurro!

    Para mim são iguais, deuses ou homens, na confusão prolixa do destino
    incerto. Desfilam-me, neste quarto andar incógnito, em sucessões de sonhos,
    e não são mais para mim do que foram para os que acreditaram neles.
    Manipansos dos negros de olhos incertos e espantados, deuses-bichos dos
    selvagens de sertões emaranhados, símbolos figurados de egípcios, claras
    divindades gregas, hirtos deuses romanos, Mitra senhor do Sol e da emoção,
    Jesus senhor da consequência e da caridade, critérios vários do mesmo Cristo,
    santos novos deuses das novas vilas, todos desfilam, todos, na marcha fúnebre
    (romaria ou enterro) do erro e da ilusão. Marcham todos, e atrás deles
    marcham, sombras vazias, os sonhos que, por serem sombras no chão, os
    piores sonhadores julgam que estão assentes sobre a terra — pobres conceitos
    sem alma nem figura, Liberdade, Humanidade, Felicidade, o Futuro Melhor, a
    Ciência Social, e arrastam-se na solidão da treva como folhas movidas um
    pouco para a frente por uma cauda de manto régio que houvesse sido
    roubado por mendigos .


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 17:59

    274.


    Ah, é um erro doloroso e crasso aquela distinção que os revolucionários
    estabelecem entre burgueses e povo, ou fidalgos e povo, ou governantes e
    governados. A distinção é entre adaptados e inadaptados: o mais é literatura, e
    má literatura. O mendigo, se é adaptado, pode amanhã ser rei, porém perdeu
    com isso a virtude de ser mendigo. Passou a fronteira e perdeu a
    nacionalidade.

    Isto me consola neste escritório estreito, cujas janelas mal lavadas dão sobre
    uma rua sem alegria. Isto me consola, em o qual tenho por irmãos os
    criadores da consciência do mundo — o dramaturgo atabalhoado William
    Shakespeare, o mestre-escola John Milton, o vadio Dante Alighieri, e até, se a
    citação se permite, aquele Jesus Cristo que não foi nada no mundo, tanto que
    se duvida dele pela história. Os outros são de outra espécie — o conselheiro
    de estado Johann Wolfgang von Goethe, o senador Victor Hugo, o chefe
    Lenine, o chefe Mussolini.

    Nós na sombra, entre os moços de fretes e os barbeiros, constituímos a
    humanidade de um lado estão os reis, com o seu prestígio, os imperadores,
    com a sua glória, os génios, com a sua aura, os santos, com a sua auréola, os
    chefes do povo, com o seu domínio, as prostitutas, os profetas e os ricos... Do
    outro estamos nós — o moço de fretes da esquina, o dramaturgo atabalhoado
    William Shakespeare, o barbeiro das anedotas, o mestre-escola John Milton, o
    marçano da tenda, o vadio Dante Alighieri, os que a morte esquece ou
    consagra, e a vida esqueceu sem consagrar.


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:00

    275.


    O governo do mundo começa em nós mesmos. Não são os sinceros que
    governam o mundo, mas também não são os insinceros. São os que fabricam
    em si uma sinceridade real por meios artificiais e automáticos; essa sinceridade
    constitui a sua força, e é ela que irradia para a sinceridade menos falsa dos
    outros. Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista. Só aos poetas e
    aos filósofos compete a visão prática do mundo, porque só a esses é dado não
    ter ilusões. Ver claro é não agir.


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:01

    276.


    Uma opinião é uma grosseria, mesmo quando não é sincera.
    Toda a sinceridade é uma intolerância. Não há liberais sinceros. De resto,
    não há liberais.



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    Recomendado Re: FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:02

    277.


    Tudo ali é quebrado, anónimo e impertencente. Vi ali grandes movimentos
    de ternura, que me pareceram revelar o fundo de pobres almas tristes;
    descobri que esses movimentos não duravam mais que a hora em que eram
    palavras, e que tinham raiz — quantas vezes o notei com a sagacidade dos
    silenciosos — na analogia de qualquer coisa com o piedoso, perdida com a
    rapidez da novidade da notação, e, outras vezes, no vinho do jantar do
    enternecido. Havia sempre uma relação sistematizada entre os
    humanitarismos e a aguardente de bagaço, e foram muitos os grandes gestos
    que sofreram do copo supérfluo ou do pleonasmo da sede.
    Essas criaturas tinham todas vendido a alma a um diabo da plebe infernal,
    avarento de sordidezas e de relaxamentos. Viviam a intoxicação da vaidade e
    do ócio, e morriam molemente, entre coxins de palavras, num
    amarfanhamento de lacraus de cuspo.

    O mais extraordinário de toda essa gente era a nenhuma importância, em
    nenhum sentido, de toda ela. Uns eram redatores dos principais jornais, e
    conseguiam não existir; outros tinham lugares públicos em vista no anuário e
    conseguiam não figurar em nada da vida; outros eram poetas até consagrados,
    mas uma mesma poeira de cinza lhes tornava lívidas as faces parvas, e tudo
    era um túmulo de embalsamados hirtos, postos com a mão nas costas em
    posturas de vidas.

    Guardo do pouco tempo que me estagnei nesse exílio da esperteza mental
    uma recordação de bons momentos de graça franca, de muitos momentos
    monótonos e tristes, de alguns perfis recortados no nada, de alguns gestos
    dados às serventes do acaso, e, em resumo, um tédio de náusea física e a
    memória de algumas anedotas com espírito.
    Neles se intercalavam, como espaços, uns homens de mais idade, alguns
    com ditos de espírito pregresso, que diziam mal como os outros, e das
    mesmas pessoas.

    Nunca senti tanta simpatia pelos inferiores da glória pública como quando
    os vi malsinar por estes inferiores sem querer essa pobre glória. Reconheci a
    razão do triunfo porque os párias do Grande triunfavam em relação a estes, e
    não em relação à humanidade.
    Pobres diabos sempre com fome — ou com fome de almoço, ou com
    fome de celebridade, ou com fome das sobremesas da vida. Quem os ouve, e
    os não conhece, julga estar escutando os mestres de Napoleão e os instrutores
    de Shakespeare.

    Há os que vencem no amor, há os que vencem na política, há os que
    vencem na arte. Os primeiros têm a vantagem da narrativa, pois se pode
    vencer largamente no amor sem haver conhecimento célebre do que sucedeu.
    E certo que, ao ouvir contar a qualquer desses indivíduos as suas Maratonas
    sexuais, uma vaga suspeita nos invade, pela altura do sétimo desfloramento.
    Os que são amantes de senhoras de título, ou muito conhecidas (são, aliás,
    quase todos), fazem um tal gasto de condessas que uma estatística das suas
    conquistas não deixaria sérias e comedidas nem as bisavós dos títulos
    presentes.

    Outros especializam no conflito físico, e mataram os campeões de boxe da
    Europa numa noite de pândega, à esquina do Chiado. Uns são influentes
    junto de todos os ministros de todos os ministérios, e estes são aqueles de que
    menos há que duvidar, pois não repugna.
    Uns são grandes sádicos, outros são grandes pederastas, outros confessam,
    com uma tristeza de voz alta, que são brutais com mulheres. Trouxeram-nas
    ali, a chicote, pelos caminhos da vida. No fim ficam a dever o café.
    Há os poetas, há-os.

    Não conheço melhor cura para toda esta enxurrada de sombras que o
    conhecimento direito da vida humana corrente, na sua realidade comercial,
    por exemplo, como a que surge no escritório da Rua dos Douradores. Com
    que alívio eu volvia daquele manicómio de títeres para a presença real do
    Moreira, meu chefe, guarda-livros autêntico e sabedor, mal vestido e mal
    tratado, mas, o que nenhum dos outros conseguia ser, o que se chama um
    homem...


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:03

    278.

    A maioria dos homens vive com espontaneidade uma vida fictícia e alheia.
    A maioria da gente é outra gente, disse Óscar Wilde, e disse bem. Uns
    gastam a vida na busca de qualquer coisa que não querem; outros

    empregamse na busca do que querem e lhes não serve; outros, ainda, se perdem.
    Mas a maioria é feliz e goza a vida sem isso valer. Em geral, o homem
    chora pouco, e, quando se queixa, é a sua literatura. O pessimismo tem pouca
    viabilidade como fórmula democrática. Os que choram o mal do mundo são
    isolados — não choram senão o próprio. Um Leopardi, um Antero não têm
    amado ou amante? O universo é um mal. Um Vigny é mal ou pouco amado?
    O mundo é um cárcere. Um Chateaubriand sonha mais que o possível? A vida
    humana é tédio. Um Job é coberto de bolhas? A terra está coberta de bolhas.
    Pisam os calos do triste? Ai dos pés dos sóis e das estrelas.

    Alheia a isto, e chorando só o preciso e no menos tempo que pode —
    quando lhe morre o filho que esquecerá pelos anos fora, salvo nos
    aniversários; quando perde dinheiro e chora enquanto não arranja outro, ou se
    não adapta ao estado de perda — a humanidade continua digerindo e amando.
    A vitalidade recupera e reanima. Os mortos ficam enterrados. As perdas
    ficam perdidas


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:04

    279.


    Foi-se hoje embora, diz-se que definitivamente, para a terra que é natal
    dele, o chamado moço do escritório, aquele mesmo homem que tenho estado
    habituado a considerar como parte desta casa humana, e, portanto, como
    parte de mim e do mundo que é meu. Foi-se hoje embora. No corredor,
    encontrando-nos casuais para a surpresa esperada da despedida, dei-lhe eu um
    abraço timidamente retribuído, e tive contra-alma bastante para não chorar,
    como, no meu coração, desejavam sem mim os meus olhos quentes.
    Cada coisa que foi nossa, ainda que só pelos acidentes do convívio ou da
    visão, porque foi nossa se torna nós. O que se partiu hoje, pois, para uma
    terra galega que ignoro, não foi, para mim, o moço do escritório: foi uma
    parte vital, porque visual e humana, da substância da minha vida. Fui hoje
    diminuído. Já não sou bem o mesmo. O moço do escritório foi-se embora.

    Tudo que se passa no onde vivemos é em nós que se passa. Tudo que cessa
    no que vemos é em nós que cessa. Tudo que foi, se o vimos quando era, é de
    nós que foi tirado quando se partiu. O moço do escritório foi-se embora.
    É mais pesado, mais velho, menos voluntário que me sento à carteira alta e
    começo a continuação da escrita de ontem. Mas a vaga tragédia de hoje
    interrompe com meditações, que tenho que dominar à força, o processo
    automático da escrita como deve ser. Não tenho alma para trabalhar senão
    porque posso com uma inércia ativa ser escravo de mim. O moço do
    escritório foi-se embora.

    Sim, amanhã, ou outro dia, ou quando quer que soe para mim o sino sem
    som da morte ou da ida, eu também serei quem aqui já não está, copiador
    antigo que vai ser arrumado no armário por baixo do vão da escada. Sim,
    amanhã, ou quando o Destino disser, terá fim o que fingiu em mim que fui eu.
    Irei para a terra natal? Não sei para onde irei. Hoje a tragédia é visível pela
    falta, sensível por não merecer que se sinta. O meu Deus, meu Deus, o moço
    do escritório foi-se embora.


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:04

    280.

    Ó noite onde as estrelas mentem luz, ó noite, única coisa do tamanho do
    Universo, torna-me, corpo e alma, parte do teu corpo, que eu me perca em ser
    mera treva e me torne noite também, sem sonhos que sejam estrelas em mim,
    nem sol esperado que’ ilumine do futuro.


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:05

    281.


    Primeiro é um som que faz um outro som, no côncavo noturno das coisas.
    Depois é um uivo vago, acompanhado pelo oscilar rasco das tabuletas da rua.
    Depois, ainda, há um alto de súbito na voz urrada do espaço, e tudo
    estremece, e não oscila, e há silêncio no medo disto tudo como um medo
    surdo que vê outro medo quando passado.

    Depois não há mais nada senão o vento — só o vento, e reparo com sono
    que as portas estremecem presas e as janelas dão som de vidro que resiste.
    Não durmo. Entresou. Tenho vestígios na consciência. Pesa em mim o
    sono sem que a inconsciência pese... Não sou. O vento... Acordo e redurmo e
    ainda não dormi. Há uma paisagem de som alto e torvo para além de que me
    desconheço. Gozo, recatado, a possibilidade de dormir. Com efeito durmo,
    mas não sei se durmo. Há sempre no que julgamos que é o som um som de
    fim de tudo, o vento no escuro, e, se escuto ainda, o som comigo dos pulmões
    e do coração.
    2


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:05

    282.

    Depois que o fim dos astros esbranqueceu para nada no céu matutino, e a
    brisa se tornou menos fria no amarelo mal alaranjado da luz sobre as poucas
    nuvens baixas, pude enfim, eu que não dormira, erguer lentamente o corpo
    exausto de nada da cama de onde pensara o universo.
    Cheguei à janela com os olhos quentes de não estarem fechados. Por sobre
    os telhados densos a luz fazia diferenças de amarelo pálido. Fiquei a
    contemplar tudo com a grande estupidez da falta de sono. Nos vultos
    erguidos das casas altas o amarelo era aéreo e nulo. Ao fundo do ocidente,
    para onde eu estava virado, o horizonte era já de um branco verde.

    Sei que o dia vai ser para mim pesado como não perceber nada. Sei que
    tudo quanto hoje fizer vai participar, não do cansaço do sono que não tive,
    mas da insónia que tive. Sei que vou viver um sonambulismo mais acentuado,
    mais epidérmico, não só porque não dormi, mas porque não pude dormir.
    Há dias que são filosofias, que nos insinuam interpretações da vida, que são
    notas marginais, cheias de grande crítica, no livro do nosso destino universal.
    Este dia é um dos que sinto tais. Parece-me, absurdamente, que é com os
    meus olhos pesados e o meu cérebro nulo que, lápis absurdo, se vão traçando

    as letras do comentário inútil e profundo.


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:06

    [b]283.


    A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos
    homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a
    necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio
    e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste
    escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um
    escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a
    tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do Destino
    para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a
    seres escravo. Ai de ti, se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te
    separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que
    trazes contigo.

    Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde
    superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo
    desprezo dela.
    A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O
    pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua
    vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria
    deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os
    que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.
    Por isso a morte enobrece, veste de galas desconhecidas o pobre corpo
    absurdo. É que ali está um liberto, embora o não quisesse ser. É que ali não
    está um escravo, embora ele chorando perdesse a servidão. Como um Rei cuja
    maior pompa é o seu nome de rei, e que pode ser risível como homem, mas
    como rei é superior, assim o morto pode ser disforme, mas é superior, porque
    a morte o libertou.
    Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um
    momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só,
    sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença
    venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos
    de excelsis.
    Na cadeira, aonde me recosto, esqueço a vida que me oprime. Não me dói
    senão ter-me doído.
    [b]


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:07

    284.


    Não toquemos na vida nem com as pontas dos dedos.
    Não amemos nem com o pensamento.
    Que nenhum beijo de mulher, nem mesmo em sonhos, seja uma sensação
    nossa.
    Artífices da morbidez, requintemo-nos em ensinar a desiludir-se.
    Curiosos da vida, espreitemos a todos os muros, antecansados de saber que
    não vamos ver nada de novo ou belo.

    Tecelões da desesperança, teçamos mortalhas apenas — mortalhas brancas
    para os sonhos que nunca sonhámos, mortalhas negras para os dias que
    morremos, mortalhas cor de cinza para os gestos que apenas sonhámos,
    mortalhas imperiais- de- púrpura para as nossas sensações inúteis.
    Pelos montados e pelos vales e pelas margens dos pântanos, caçam
    caçadores o lobo e a corça e o pato-bravo também. Odiemo-los, não porque
    caçam mas porque gozam (e nós não gozamos).
    Seja a expressão do nosso rosto um sorriso pálido, como de alguém que vai
    chorar, um olhar vago, como de alguém que não quer ver, um desdém esparso
    por todas as feições, como o de alguém que despreza a vida e a vive apenas
    para ter que desprezar. E seja o nosso desprezo para os que trabalham e lutam
    e o nosso ódio para os que esperam e confiam.


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    Mensaje por Maria Lua Miér 16 Nov - 18:08

    285.


    Estou quase convencido de que nunca estou desperto. Não sei se não
    sonho quando vivo, se não vivo quando sonho, ou se o sonho e a vida não
    são em mim coisas mistas, intersecionadas, de que o meu ser consciente se
    forme por interpenetração.
    As vezes, em plena vida ativa, em que, evidentemente, estou tão claro de
    mim como todos os outros, vem até à minha suposição uma sensação
    estranha de dúvida; não sei se existo, sinto possível o ser um sonho de
    outrem, afigura-se-me, quase carnalmente, que poderei ser personagem de
    uma novela, movendo-me, nas ondas longas de um estilo, na verdade feita de
    uma grande narrativa.

    Tenho reparado, muitas vezes, que certas personagens de romance tomam
    para nós um relevo que nunca poderiam alcançar os que são nossos
    conhecidos e amigos, os que falam connosco e nos ouvem na vida visível e
    real. E isto faz com que sonhe a pergunta se não será tudo neste total de
    mundo uma série entreinserta de sonhos e romances, como caixinhas dentro
    de caixinhas maiores — umas dentro de outras e estas em mais -, sendo tudo
    uma história com histórias, como as Mil e Uma Noites, decorrendo falsa na
    noite eterna.

    Se penso, tudo me parece absurdo; se sinto, tudo me parece estranho; se
    quero, o que quer é qualquer coisa em mim. Sempre que em mim há ação,
    reconheço que não fui eu. Se sonho, parece que me escrevem. Se sinto, parece
    que me pintam. Se quero, parece que me põem num veículo, como a
    mercadoria que se envia, e que sigo com um movimento que julgo próprio
    para onde não quis que fosse senão depois de lá estar.

    Que confusão é tudo! Como ver é melhor que pensar, e ler melhor que
    escrever! O que vejo, pode ser que me engane, porém não o julgo meu. O que
    leio, pode ser que me pese, mas não me perturba o tê-lo escrito. Como tudo
    dói se o pensamos como conscientes de pensar, como seres espirituais em
    quem se deu aquele segundo desdobramento da consciência pelo qual
    sabemos que sabemos! Embora o dia esteja lindíssimo, não posso deixar de
    pensar assim... Pensar ou sentir, ou que coisa terceira entre os cenários postos
    de parte? Tédios do crepúsculo e do desalinho, leques fechados, cansaço de
    ter tido que viver...



    356


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    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:51

    286.


    Passávamos, jovens ainda, sob as árvores altas e o vago sussurro da floresta.
    Nas clareiras, subitamente surgidas do acaso do caminho, o luar fazia-as
    lagos e as margens, emaranhadas de ramos, eram mais noite que a mesma
    noite. A brisa vaga dos grandes bosques respirava com som entre o arvoredo.
    Falávamos das coisas impossíveis; e as nossas vozes eram parte da noite, do
    luar e da floresta. Ouvíamo-las como se fossem de outros.
    Não era bem sem caminhos a floresta incerta. Havia atalhos que, sem
    querer, conhecíamos, e os nossos passos ondeavam neles entre os
    mosqueamentos das sombras e o palhetar vago do luar duro e frio. Falávamos
    das coisas impossíveis e toda a paisagem real era impossível também.


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Recomendado Re: FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:51

    287.



    Adoramos a perfeição, porque a não podemos ter; repugná-la-íamos, se a
    tivéssemos. O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito.
    O ódio surdo ao paraíso — o desejo como o da pobre infeliz de que
    houvesse campo no céu. Sim, não são os êxtases do abstrato, nem as
    maravilhas do absoluto que podem encantar uma alma que sente: são os lares
    e as encostas dos montes, as ilhas verdes nos mares azuis, os caminhos através
    de árvores e as largas horas de repouso nas quintas ancestrais, ainda que as
    nunca tenhamos. Se não houver terra no céu, mais vale não haver céu. Seja
    então tudo o nada, e acabe o romance que não tinha enredo.

    Para poder obter a perfeição fora precisa uma frieza de fora do homem e
    não haveria então coração de homem com que amar a própria perfeição.
    Pasmamos, adorando, da tensão para o perfeito dos grandes artistas.
    Amamos a sua aproximação do perfeito, porém a amamos porque é só
    aproximação.


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    Recomendado Re: FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:52

    288.



    Que tragédia não acreditar na perfectibilidade humana!...
    — E que tragédia acreditar nela!


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    Recomendado Re: FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:53

    289.


    Se eu tivesse escrito o Rei Lear, levaria com remorsos toda a minha vida de
    depois. Porque essa obra é tão grande, que enormes avultam os seus defeitos,
    os seus monstruosos defeitos, as coisas até mínimas que estão entre certas
    cenas e a perfeição possível delas. Não é o sol com manchas; é uma estátua
    grega partida. Tudo quanto tem sido feito está cheio de erros, de faltas de
    perspetiva, de ignorâncias, de traços de mau gosto, de fraquezas e
    desatenções. Escrever uma obra de arte com o preciso tamanho para ser
    grande, e a precisa perfeição para ser sublime, ninguém tem o divino de o
    fazer, a sorte de o ter feito. O que não pode ir de um jacto sofre do
    acidentado do nosso espírito.

    Se penso nisto entra com a minha imaginação um desconsolo enorme, uma
    dolorosa certeza de nunca poder fazer nada de bom e útil para a Beleza. Não
    há método de obter a Perfeição exceto ser Deus. O nosso maior esforço dura
    tempo; o tempo que dura atravessa diversos estados da nossa alma, e cada
    estado de alma, como não é outro, qualquer, perturba com a sua
    personalidade a individualidade da obra. Só temos a certeza de escrever mal,
    quando escrevemos; a única obra grande e perfeita é aquela que nunca se
    sonhe realizar.

    Escuta-me ainda, e compadece-te. Ouve tudo isto e diz-me depois se o
    sonho não vale mais que a vida. O trabalho nunca dá resultado. O esforço
    nunca chega a parte nenhuma. Só a abstenção é nobre e alta, porque ela é a
    que reconhece que a realização é sempre inferior, e que a obra feita é sempre a
    sombra grotesca da obra sonhada.

    Poder escrever, em palavras sobre papel, que se possam depois ler alto e
    ouvir, os diálogos das personagens dos meus dramas imaginados! Esses
    dramas têm uma ação perfeita e sem quebra, diálogos sem falha, mas nem a
    ação se esboça em mim em comprimento, para que eu a possa projetar em
    realização; nem são propriamente palavras o que forma a substância desses
    diálogos íntimos, para que, ouvidas com atenção, eu as possa traduzir para
    escritas.

    Amo alguns poetas líricos porque não foram poetas épicos ou dramáticos,
    porque tiveram a justa intuição de nunca querer mais realização do que a de
    um momento de sentimento ou de sonho. O que se pode escrever
    inconscientemente — tanto mede o possível perfeito. Nenhum drama de
    Shakespeare satisfaz como uma lírica de Heine. É perfeita a lírica de Heine, e
    todo o drama — de um Shakespeare ou de outro, é imperfeito sempre. Poder
    construir, erguer um Todo, compor uma coisa que seja como um corpo
    humano, com perfeita correspondência nas suas partes, e com uma vida, uma
    vida de unidade e congruência, unificando a dispersão de feitios das duas
    partes!

    Tu, que me ouves e mal me escutas, não sabes o que é esta tragédia! Perder
    pai e mãe, não atingir a glória nem a felicidade, não ter um amigo nem um
    amor — tudo isso se pode suportar; o que se não pode suportar é sonhar uma
    coisa bela que não seja possível conseguir em acto ou palavras. A consciência
    do trabalho perfeito, a fartura da obra obtida — suave é o sono sob essa
    sombra de árvore, no verão calmo.


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    Recomendado Re: FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:54

    290.


    As frases que nunca escreverei, as paisagens que não poderei nunca
    descrever, com que clareza as dito à minha inércia e as descrevo na minha
    meditação, quando, recostado, não pertenço, senão longinquamente, à vida.
    Talho frases inteiras, perfeitas palavra a palavra, contexturas de dramas
    narram-se-me construídas no espírito, sinto o movimento métrico e verbal de
    grandes poemas em todas as palavras e um grande entusiasmo, como um
    escravo que não vejo, segue-me na penumbra. Mas se der um passo, da
    cadeira, onde jazo estas sensações quase cumpridas, para a mesa onde quereria
    escrevê-las, as palavras fogem, os dramas morrem, do nexo vital que uniu o
    murmúrio rítmico não fica mais que uma saudade longínqua, um resto de sol
    sobre montes afastados, um vento que ergue as folhas ao pé do limiar deserto,
    um parentesco nunca revelado, a orgia dos outros, a mulher, que a nossa
    intuição diz que olharia para trás, e nunca chega a existir.

    Projetos, tenho-os tido todos. A Ilíada que compus teve uma lógica de
    estrutura, uma concatenação orgânica de epodos que Homero não podia
    conseguir. A perfeição estudada dos meus versos por completar em palavras
    deixa pobre a precisão de Virgílio e frouxa a força de Milton. As sátiras
    alegóricas que fiz excederam todas a Swift na precisão simbólica dos
    particulares exatamente ligados. Quantos Verlaines fui!
    E sempre que me levantei da cadeira onde, na verdade, estas coisas não
    foram absolutamente sonhadas, tive a dupla tragédia de as saber nulas e de
    saber que não foram todas sonho, que alguma coisa ficou delas no limiar
    abstrato em eu pensar e elas serem.

    Fui génio mais que nos sonhos e menos que na vida. A minha tragédia é
    esta. Fui o corredor que caiu quase na meta, sendo até aí o primeiro


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    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:54

    291.



    Se houvesse na arte o mister de aperfeiçoador, eu teria na vida (da minha
    arte) uma função...
    Ter a obra feita por outrem, e trabalhar só em aperfeiçoá-la... Assim, talvez,
    foi feita a Ilíada...
    Só o não ter o esforço da criação primitiva!
    Como invejo os que escrevem romances, que os começam, e os fazem, e os
    acabam! Sei imaginá-los, capítulo a capítulo, por vezes com as frases do
    diálogo e as que estão entre o diálogo, mas não saberia dizer no papel esses
    sonhos de escrever,


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    Recomendado Re: FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:55

    292.


    Tudo quanto é ação, seja a guerra ou o raciocínio, é falso; e tudo quanto é
    abdicação é falso também. Pudesse eu saber como não agir nem abdicar de
    agir! Seria essa a coroa-de-sonho da minha glória, o ceptro-de-silêncio da
    minha grandeza.
    Eu nem sofro. O meu desdém por tudo é tão grande que me desdenho a
    mim próprio; que, como desprezo os sofrimentos alheios, desprezo também
    os meus, e assim esmago sob o meu desdém o meu próprio sofrimento.
    Ah, mas assim sofro mais... Porque dar valor ao próprio sofrimento põe-lhe
    o ouro de um sol do orgulho. Sofrer muito pode dar a ilusão de ser o Eleito
    da Dor. Assim.


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    Recomendado Re: FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:56

    293.


    Intervalo doloroso


    Como alguém cujos olhos, erguidos de um longo, de um livro, recebam a
    violência para eles de um mero claro sol natural, se ergo às vezes de mim os
    meus olhos de ver-me dói-me e arde-me fitar a nitidez
    e independência-demim da vida claramente externa,
    da existência dos outros, da posição e
    correlação dos movimentos no espaço. Tropeço nos sentimentos reais dos
    outros, o antagonismo dos seus psiquismos com o meu entala-me e
    entaramela-me os passos, escorrego e destrambelho-me por entre e por sobre
    o som das suas palavras estranhas a ser ouvido em mim, o apoio forte e certo
    dos seus passos no chão atual, os seus gestos que existem verdadeiramente, os
    seus vários e complexos modos de serem outras pessoas que não variantes da
    minha.

    Encontro-me então, nestas almas em que me precipito às vezes,
    desamparado e oco, parecendo que morri e vivo, pálida sombra dolorida, que
    a primeira brisa deitará por terra e o primeiro contacto desfará em pó.
    Pergunto então em mim próprio se valerá a pena todo o esforço que pus
    em me isolar e elevar, se o lento calvário que de mim fiz para a minha Glória
    Crucificada valerá religiosamente a pena? E, ainda que saiba que valeu,
    pesame nesse momento o sentimento de que não valeu, de que não valerá nunca.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:57

    294.


    O dinheiro, as crianças (os doidos)
    Nunca se deve invejar a riqueza, senão platonicamente; a riqueza é
    liberdade.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 17 Nov - 12:57

    295.


    O dinheiro é belo, porque é uma libertação.
    Querer ir morrer a Pequim e não poder é das coisas que pesam sobre mim
    como a ideia de um cataclismo vindouro’.
    Os compradores de coisas inúteis sempre são mais sábios do que se julgam
    — compram pequenos sonhos. São crianças no adquirir. Todos os pequenos
    objetos inúteis cujo acenar ao saberem que têm dinheiro os faz comprá-los,
    possuem-nos na atitude feliz de uma criança que apanha conchinhas na praia
    — imagem que mais do que nenhuma dá toda a felicidade possível. Apanha
    conchas na praia! Nunca há duas iguais para a criança. Adormece com as duas
    mais bonitas na mão, e quando lhas perdem ou tiram — o crime! Roubar-lhe
    bocados exteriores da alma! Arrancar-lhe pedaços de sonho! — chora c
    omo
    um Deus a quem roubassem um universo recém-criado.


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