Aires de Libertad

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    Mensaje por Maria Lua Jue 23 Nov 2023, 20:04

    ***

    ***
    Esplendor do nada, nome do abismo, sossego do Além...
    Virgem eterna antes dos deuses e dos pais dos deuses, e dos pais dos pais
    dos deuses, infecunda de todos os mundos, estéril de todas as almas...
    A ti são oferecidos os dias e os seres; os astros são votos no teu templo, e o
    cansaço dos deuses volta ao teu regaço como a ave ao ninho que não sabe
    como fez.
    Que do auge da angústia se aviste o dia, e, se nenhum dia se aviste, que seja
    esse o dia que se aviste!
    Esplende, ausência de sol; brilha, luar que cessas...
    Só tu, sol que não brilhas, iluminas as cavernas, porque as cavernas são tuas
    filhas. Só tu, lua que não há, dás às grutas, porque as grutas
    Tu és do sexo das formas sonhadas, do sexo nulo das figuras . Mero perfil
    às vezes, mera atitude outras vezes, outras gesto lento apenas — és
    momentos, atitudes, espiritualizadas em minhas.






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    Mensaje por Maria Lua Jue 23 Nov 2023, 20:11

    ***

    Nenhum fascínio do sexo se subentende no meu sonhar-te, sob a tua veste
    vaga de madona dos silêncios interiores. Os teus seios não são dos que se
    pudesse pensar em beijar-se. O teu corpo é todo ele carne-alma, mas não é
    alma é corpo. A matéria da tua carne, não é espiritual mas é espírito . És a
    mulher anterior à Queda, escultura ainda daquele barro que paraíso.
    O meu horror às mulheres reais que têm sexo é a estrada por onde eu fui
    ao teu encontro. As da terra, que para serem têm de suportar o peso
    movediço de um homem — quem as pode amar, que não se lhe desfolhe o
    amor na antevisão do prazer que serve o sexo ...? Quem pode respeitar a
    Esposa sem ter de pensar que ela é uma mulher noutra posição de cópula...
    Quem não se enoja de ter mãe por ter sido tão vulvar na sua origem, tão
    nojentamente parido? Que nojo de nós não punge a ideia da origem carnal da
    nossa alma — daquele inquieto corpóreo de onde a nossa carne nasce e, por
    bela que seja, se desfeia da origem e se nos enoja de nata.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 25 Nov 2023, 18:15

    ***



    Os idealistas falsos da vida real fazem versos à Esposa, ajoelham à ideia de
    Mãe... O seu idealismo é uma veste que tapa, não é um sonho que crie.
    Pura só tu, Senhora dos Sonhos, que eu posso conceber amante sem
    conceber mácula porque és irreal. A ti posso-te conceber mãe, adorando-o,
    porque nunca te manchaste nem do horror de seres fecundada, nem do horror
    de parires.
    Como não te adorar, se só tu és adorável? Como não te amar se só tu és
    digna do amor?
    Quem sabe se sonhando-te eu não te crio, real noutra realidade; se não
    serás minha ali, num outro e puro mundo, onde sem corpo táctil nos amemos,
    com outro jeito de abraços e outras atitudes essenciais de posse? Quem sabe
    mesmo se não existias já e não te criei nem te vi apenas, com outra visão,
    interior e pura, num outro e perfeito mundo? Quem sabe se o meu sonhar-te
    não foi o encontrar-te simplesmente, se o meu amar-te não foi o pensar-em-ti
    se o meu desprezo pela carne e o meu nojo pelo amor não foram a obscura
    ânsia com que, ignorando-te, te esperava, e a vaga aspiração com que,
    desconhecendo-te, te queria?





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    Mensaje por Maria Lua Sáb 25 Nov 2023, 18:16

    ***

    Não sei mesmo já se não te amei já, num vago onde cuja saudade este meu
    tédio perene talvez seja. Talvez sejas uma saudade minha, corpo de ausência,
    presença de Distância, fêmea talvez por outras razões que não as de sê-lo.
    Posso pensar-te virgem e também mãe porque não és deste mundo. A
    criança que tens nos braços nunca foi mais nova para que houvesses de a sujar
    de a ter no ventre. Nunca foste outra do que és e como não seres virgem
    portanto? Posso amar-te e também adorar-te porque o meu amor não te
    possui e a minha adoração não te afasta.
    Sê o Dia Eterno e que os meus poentes sejam raios do teu sol possuídos
    em ti.
    Sê o Crepúsculo Invisível e que as minhas ânsias e desassossegos sejam as
    tintas da tua indecisão, as sombras da tua incerteza.

    Sê a Noite Total, torna-te a Noite Única e que todo eu me perca e me
    esqueça em ti, e que os meus sonhos brilhem, estrelas, no teu corpo de
    distância e negação...
    Seja eu as dobras do teu manto, as joias da tua tiara, e o ouro outro dos
    anéis dos teus dedos.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 25 Nov 2023, 18:16

    ***

    Cinza na tua lareira, que importa que eu seja pó? Janela no teu quarto, que
    importa que eu seja espaço? Hora na tua clepsidra, que importa que eu passe,
    se por ser teu ficarei, que eu morra se por ser teu não morrer, que eu te perca
    se o perder-te é encontrar-te?
    Realizadora dos absurdos, Seguidora de frases sem nexo . Que o teu
    silêncio me embale, que a tua me adormeça, que o teu mero-ser me acaricie e
    me amacie e me conforte, ó heráldica do Além, ó imperial de Ausência;
    Virgem -Mãe de todos os silêncios, Lareira das almas que têm frio, Anjo da
    Guarda dos abandonados, Paisagem humana e irreal de triste e eterna
    Perfeição.
    Tu não és mulher. Nem mesmo dentro de mim evocas qualquer coisa que
    eu possa sentir feminina. É quando falo de ti que as palavras te chamam
    fêmea, e as expressões te contornam de mulher. Porque tenho de te falar com
    ternura e amoroso sonho, as palavras encontram voz para isso apenas em te
    tratar como feminina




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    Mensaje por Maria Lua Dom 26 Nov 2023, 14:45

    ***

    Mas tu, na tua vaga essência, não és nada. Não tens realidade, nem mesmo
    uma realidade só tua. Propriamente, não te vejo, nem mesmo te sinto. És
    como que um sentimento que fosse o seu próprio objeto e pertencesse todo
    ao íntimo de si próprio. És sempre a paisagem que eu estive quase para poder
    ver, a orla da veste que por pouco eu não pude ver, perdida num eterno Agora
    para além da curva do caminho. O teu perfil é não seres nada, e o contorno
    do teu corpo irreal desata em pérolas separadas o colar da ideia de contorno.
    Já passaste, e já foste e já te amei – o sentir-te presente é sentir isto.
    Ocupas o intervalo dos meus pensamentos e os interstícios das minhas
    sensações. Por isso eu não te penso nem te sinto, mas os meus pensamentos
    são ogivais de te sentir, e os meus sentimentos góticos de evocar-te.
    Lua de memórias perdidas sobre a negra paisagem nítida de vazio da
    minha imperfeição compreendendo-se. O meu ser sente-te vagamente, como
    se fosse um cinto teu que te sentisse. Debruço-me sobre o teu rosto branco
    nas águas noturnas do meu desassossego, no meu saber que és lua no meu céu
    para que o causes, ou estranha lua submarina para que, não sei como, o finjas.











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    Mensaje por Maria Lua Dom 26 Nov 2023, 18:46

    ***


    Quem pudesse criar o Novo Olhar com que te visse, os Novos
    Pensamentos e Sentimentos que houvessem de te poder pensar e sentir!
    Ao querer tocar no teu manto as minhas expressões cansam o esforço
    estendido dos gestos das suas mãos, e um cansaço rígido e doloroso gela-se
    nas minhas palavras. Por isso, curva um voo de ave, que parece que se
    aproxima e nunca chega, em torno ao que eu quereria dizer de ti, mas a
    matéria das minhas frases não sabe imitar a substância ou do som dos teus
    passos ou do rasto dos teus olhares, ou da cor triste e vazia da curva dos
    gestos que não fizeste nunca.


    ***


    E se acaso falo com alguém longínquo, e se, hoje nuvem de possível,
    amanhã caíres, chuva de real sobre a terra, não te esqueças nunca da tua
    divindade original de sonho meu. Sê sempre na vida aquilo que possa ser o
    sonho de um isolado e nunca o abrigo de um amoroso. Faz o teu dever de
    mera taça. Cumpre o teu mister de ânfora inútil . Ninguém diga de ti o que a
    alma do rio pode dizer das margens, que existem para o limitar. Antes não
    correr na vida, antes secar de sonhar.
    Que o teu génio seja o ser supérflua, e a tua vida a arte de olhares para ela,
    de seres a olhada, a nunca idêntica. Não sejas nunca mais nada.
    Hoje és apenas o perfil criado deste livro, uma hora carnalizada e separada
    das outras horas. Se eu tivesse a certeza de que o eras, ergueria uma religião
    sobre o sonho de amar-te. És o que falta a tudo. És o que a cada coisa falta
    para a podermos amar sempre. Chave perdida das portas do Templo, caminho
    encoberto do Palácio, Ilha longínqua que a bruma nunca deixa ver...



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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Nov 2023, 17:58

    O AMANTE VISUAL



    Tenho do amor profundo e do uso proveitoso dele um conceito superficial
    e decorativo. Sou sujeito a paixões visuais. Guardo intacto o coração dado a
    mais irreais destinos.
    Não me lembro de ter amado senão o "quadro" em alguém, o puro extenor
    — em que a alma não entra para mais que fazer esse exterior animado e vivo
    — e assim diferente dos quadros que os pintores fazem.
    Amo assim: fixo, por bela, atraente, ou, de outro qualquer modo, amável,
    uma figura, de mulher ou de homem — onde não há desejo não há
    preferência de sexo — e essa figura me obceca, me prende, se apodera de
    mim. Porém não quero mais que vê-la, nem olho nada com mais horror que a
    possibilidade VI de vir a conhecer e a falar à pessoa real que essa figura
    aparentemente manifesta.
    Amo com o olhar, e nem com a fantasia. Porque nada fantasio dessa figura
    que me prende. Não me imagino ligado a ela de outra maneira, porque o meu
    amor decerto não tem de mais para dizer. Não me interessa saber quem é, que
    faz, que pensa a criatura que me dá para ver o seu aspeto exterior.
    A imensa série de pessoas e de coisas que forma o mundo é para mim uma
    galeria intérmina de quadros, cujo interior me não interessa. Não me interessa,
    porque a alma é monótona e sempre a mesma em toda a gente; diferem
    apenas as suas manifestações pessoais, e o melhor dela é o que transborda
    para o sonho, para os modos, para os gestos, e assim entra para o quadro que
    me prende, e em que visiono caras constantes a essa afeição.
    Para mim uma criatura não tem alma. A alma é só com ela mesma .




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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Nov 2023, 17:59

    ***

    Assim vivo, em visão pura, o exterior animado das coisas e dos seres,
    indiferente, como um deus de outro mundo, ao conteúdo-espírito deles.
    Aprofundo o ser próprio só em extensão, e quando anseio a profundeza, é em
    mim, e no meu conceito das coisas, que a procuro.
    Que pode dar-me o conhecimento pessoal da criatura que assim amo em
    décor? Não uma desilusão, porque, como nela só amo o aspeto, e nada dela
    fantasio, a sua estupidez ou mediocridade nada tira, porque eu não esperava
    nada senão o aspeto que não tinha que esperar, e o aspeto persiste. Mas o
    conhecimento pessoal é nocivo porque é inútil, e o inútil material é nocivo
    sempre. Saber o nome da criatura para quê? E é a primeira coisa que,
    apresentado a ela, fico sabendo.
    O conhecimento pessoal precisa ser, também, de liberdade de
    contemplação, a que o meu género de amar deseja. Não podemos fitar,
    contemplar em liberdade quem conhecemos pessoalmente. O que é supérfluo
    é a menos para o artista, porque, perturbando-o, diminui o efeito. O meu
    destino natural de contemplador indefinido e apaixonado das aparências e da
    manifestação das coisas — objetivista dos sonhos, amante visual das formas e
    dos aspetos da natureza. Não é um caso do que os psiquiatras chamam
    onanismo psíquico, nem sequer do que chamam erotomania. Não fantasio,
    como no onanismo psíquico; não me figuro em sonho amante carnal, ou
    sequer amigo de fala, da criatura que fito e recordo: nada fantasio dela. Nem,
    como o erotómano, a idealizo e a transporto para fora da esfera da estética
    concreta: não quero dela, ou penso dela, mais que o que me dá aos olhos e à
    memória direta e pura do que os olhos viram.







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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Nov 2023, 18:00

    ***

    ***
    Nem em torno dessas figuras, com cuja contemplação me entretenho, e o
    meu costume tecer qualquer enredo da fantasia. Vejo-as, e o valor delas para
    mim está só em serem vistas. Tudo mais, que lhes acrescentasse, diminui-lasia, porque diminuiria, por assim dizer, a sua "visibilidade".
    Quanto eu fantasiasse delas, forçosamente, no próprio momento de
    fantasiar, eu o conheceria como falso; e, se o sonhado me agrada, o falso me
    repugna. O sonho puro encanta-me, o sonho que não tem relação com a
    realidade, nem ponto de contacto com ela. O sonho imperfeito, com ponto de
    partida na vida, desgosta-me, ou, antes, me desgostaria se eu me embrenhasse
    nele.
    Para mim a humanidade é um vasto motivo de decoração, que vive pelos
    olhos e pelos ouvidos, e, ainda, pela emoção psicológica. Nada mais quero da
    vida senão assistir a ela. Nada mais quero de mim senão o assistir à vida.
    Sou como um ser de outra existência que passa indefinidamente interessado
    através desta. Em tudo sou alheio a ela. Há entre mim e ela como um vidro.
    Quero esse vidro sempre muito claro, para a poder examinar sem falha de
    meio intermédio; mas quero sempre o vidro.
    Para todo o espírito cientificamente constituído, ver numa coisa mais que o
    que lá está é ver menos essa coisa. O que materialmente se acrescenta,
    espiritualmente a diminui.
    Atribuo a este estado de alma a minha repugnância pelos museus. O museu,
    para mim, é a vida inteira, em que a pintura é sempre exata, e só pode haver
    inexatidão na imperfeição do contemplador. Mas essa imperfeição, ou faço
    por diminuí-la, ou, se não posso, contento-me com que assim seja, pois que,
    como tudo, não pode ser senão assim.



    FIN
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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
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    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Nov 2023, 18:01



    O MAJOR



    Nada há que tão intimamente revele, que tão completamente interprete a
    substância do meu infortúnio nato como o tipo de devaneio que, na verdade,
    mais acarinho, o bálsamo que com mais íntima frequência escolho para a
    minha angústia de existir. O resumo da essência do que desejo é só isto:
    dormir a vida. Quero de mais à vida, para que a possa desejar ida; quero de
    mais a não viver para ter sobre a vida um anseio demasiado importuno.
    Assim, é este, que vou deixar escrito, o melhor dos meus sonhos
    preferidos. À noite, às vezes, com a casa quieta, porque os donos saíssem ou
    se calem, fecho as vidraças da minha janela, tapo-as com as pesadas portas;
    imerso num fato velho, aconchego-me na cadeira profunda e prendo-me no
    sonho de que sou um major reformado num hotel de província, à hora de
    depois de jantar, quando ele seja, com um ou outro mais sóbrio, o conviva
    lento que ficou sem razão.
    Suponho-me nascido assim. Não me interessa a juventude do major
    reformado, nem os postos militares por onde subiu até àquele meu anseio.
    Independente do Tempo e da Vida, o maior que me suponho não é posterior
    a nenhuma vida que tivesse; não tem, nem teve parentes; existe eternamente
    àquele viver daquele hotel provinciano cansado já de conversas de anedotas
    que teve com os parceiros na demora.



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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Nov 2023, 18:02




    O RIO DA POSSE



    Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade . Só nos
    parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida
    é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que nunca se definem,
    e são, um e outro, ninguéns .
    Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se
    aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo. O homem
    que sonha em cada homem que age, se tantas vezes se malquista com o
    homem que age, como não se malquistará com o homem que age e o homem
    que sonha no Outro?
    Somos forças porque somos vidas. Cada um de nós tende para si próprio
    com escala pelos outros. Se temos por nós mesmos o respeito de nos
    acharmos interessantes, EI. Toda a aproximação é um conflito. O outro é
    sempre o obstáculo para quem procura. Só quem não procura é feliz; porque
    só quem não busca, encontra, visto que quem não procura já tem, e já ter, seja
    o que for, é ser feliz, como não pensar é a parte melhor de ser rico.
    Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta, e já nos desavimos antes de
    existires. O meu hábito de sonhar claro dá-me uma noção justa da realidade.
    Quem sonha de mais precisa de dar realidade ao sonho. Quem dá realidade ao
    sonho tem que dar ao sonho o equilíbrio da realidade. Quem dá ao sonho o
    equilíbrio da realidade, sofre da realidade de sonhar tanto como da realidade
    da vida (e do irreal do sonho com o sentir a vida irreal).
    Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e
    sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se,
    quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o
    meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como
    aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos.






    cont
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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Nov 2023, 18:03

    ***


    O amor perde identidade na diferença, o que é impossível já na lógica,
    quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de
    ficar fora para ele saber que se torna seu e não é. Amar é entregar-se. Quanto
    maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a
    consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento,
    ou a renúncia os amores todos que são os absurdiandos do amor.
    No terraço antigo do palácio, alçado sobre o mar, meditaremos em silêncio
    a diferença entre nós. Eu era príncipe e tu princesa, no terraço à beira do mar.
    O nosso amor nascera do nosso encontro, como a beleza se criou do
    encontro da lua com as águas.
    O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu,
    como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como
    possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico,
    como serei idêntico daquele de quem sou diferente?
    O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só
    é sonhada como devendo ser realizada .
    Metafísico. Mas toda a vida é uma metafísica às escuras com um rumor de
    deuses e o desconhecimento da rota como única via.
    A pior astúcia comigo da minha decadência é o meu amor à saúde e à
    claridade. Achei sempre que um corpo belo e o ritmo feliz de um andar jovem
    tinham mais competência no mundo que todos os sonhos que há em mim. É
    com uma alegria da velhice pelo espírito que sigo às vezes – sem inveja nem
    desejo — os pares casuais que a tarde junta e caminham braço com braço para
    a consciência inconsciente da juventude. Gozo-os como gozo uma verdade,
    sem que pense se me diz ou não respeito. Se os comparo a mim, continuo
    gozando-os, mas como quem goza uma verdade que o fere, juntando à dor da
    ferida a consciência de ter compreendido os deuses.
    Sou o contrário dos espiritualistas simbolistas para quem todo o ser, e todo
    o acontecimento, é a sombra de uma realidade de que é a sombra apenas.
    Cada coisa, para mim, é, em vez de um ponto de chegada, um ponto de
    partida. Para o ocultista tudo acaba em tudo; tudo começa em tudo, para mim.
    Procedo, como eles, por analogia e sugestão, mas o jardim pequeno que
    lhes sugere a ordem e a beleza da alma, a mim não lembra mais que o jardim
    maior onde possa ser, longe dos homens, feliz a vida que o não pode ser.
    Cada coisa sugere-me não a realidade de que é a sombra, mas a realidade para
    que é o caminho.
    O jardim da Estrela, à tarde, é para mim a sugestão de um parque antigo,
    nos séculos antes do descontentamento da alma.







    FIN
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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:19

    O SENSACIONISTA



    Neste crepúsculo das disciplinas, em que as crenças morrem e os cultos se
    cobrem de pó, as nossas sensações são a única realidade que nos resta. O
    único escrúpulo que preocupe, a única ciência que satisfaça são os da
    sensação.
    Um decorativismo interior acentua-se-me como o modo superior e
    esclarecido de dar um destino à nossa vida. Pudesse a minha vida ser vivida
    em panos de arras do espírito e eu não teria abismos que lamentar.
    Pertenço a uma geração — ou antes a uma parte de geração — que perdeu
    todo o respeito pelo passado e toda a crença ou esperança no futuro. Vivemos
    por isso do presente com a gana e a fome de quem não tem outra casa. E,
    como é nas nossas sensações, e sobretudo nos nossos sonhos, sensações
    inúteis apenas, que encontramos um presente, que não lembra nem o passado
    nem o futuro, sorrimos à nossa vida interior e desinteressamo-nos com uma
    sonolência altiva da realidade quantitativa das coisas.
    Não somos talvez muito diferentes daqueles que, pela vida, só pensam em
    divertir-se. Mas o sol da nossa preocupação egoísta está no ocaso, e é em
    cores de crepúsculo e contradição que o nosso hedonismo se arrefecei.
    Convalescemos. Em geral somos criaturas que não aprendemos nenhuma
    arte ou ofício, nem sequer o de gozar a vida. Estranhos a convívios
    demorados, aborrecemo-nos em geral dos maiores amigos, depois de
    estarmos com eles meia hora; só ansiamos por os ver quando pensamos em
    vê-los, e as melhores horas em que os acompanhamos são aquelas em que
    apenas sonhamos que estamos com eles. Não sei se isto indica pouca amizade.
    Porventura não indica. O que é certo é que as coisas que mais amamos, ou
    julgamos amar, só têm o seu pleno valor real quando simplesmente sonhadas.
    Não gostamos de espetáculos. Desprezamos atores e dançarmos. Todo o
    espetáculo é a imitação degradada do que havia apenas de sonhar-se.
    Indiferentes — não de origem, mas por uma educação dos sentimentos que
    várias experiências dolorosas em geral nos obrigam a fazer — à opinião dos
    outros, sempre corteses para com eles, e gostando deles mesmo, através de
    uma indiferença interessada, porque toda a gente é interessante e convertível
    em sonho, em outras pessoas, passamos sem habilidade para amar,
    antecansam-nos aquelas palavras que seria preciso dizer para se tornar amado.
    De resto, qual de nós quer ser amado? O "on le fatigait en l’aimant" de René
    não é o nosso rótulo justo. A própria ideia de sermos amados nos fatiga, nos
    fatiga até ao alarme.
    A minha vida é uma febre perpétua, uma sede sempre renovada. A vida real
    apoquenta-me como um dia de calor. Há uma certa baixeza no modo como
    apoquenta.



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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:20



    PASTORAL DE PEDRO



    Não sei onde te vi nem quando. Não sei se foi num quadro ou se foi no
    campo real, ao pé de árvores e ervas contemporâneas do corpo; foi num
    quadro talvez, tão idílica e legível é a memória que de ti conservo. Nem sei
    quando isto se passou, ou se se passou realmente — porque pode ser que nem
    em quadro eu te visse -, mas sei com todo o sentimento da minha inteligência
    que esse foi o momento mais calmo da minha vida.
    Vinhas, boeirinha leve, ao lado de um boi manso e enorme, calmos pelo
    risco largo da estrada. Desde longe — parece-me — eu os vi, e viestes até
    mim e passastes. Pareceste não reparar na minha presença. Ias lenta e
    guardadora descuidada do boi grande. O teu olhar esquecera-se de lembrar e
    tinha uma grande clareira de vida de alma; abandonara-te a consciência de ti
    própria. Nesse momento nada mais eras do que um.
    Vendo-te recordei que as cidades mudam mas os campos são eternos.
    Chamam bíblicas às pedras e aos montes, porque são os mesmos, do mesmo
    modo que os dos tempos bíblicos deviam ter sido.
    É no recorte passageiro da tua figura anónima que eu ponho toda a
    evocação dos campos, e a calma toda que eu nunca tive chega-me à alma
    quando penso em ti. O teu andar tinha um balouçar leve, um ondular incerto,
    em cada gesto teu pousava uma ave tinhas trepadeiras invisíveis enroscadas
    no do teu busto. O teu silêncio — era o cair da tarde, e balia um cansaço de
    rebanhos, chocalhando, pelas encostas pálidas da hora — o teu silêncio era o
    canto do último pegureiro que, por esquecido de uma écloga nunca escrita de
    Virgílio, ficou eternamente encantado, e eterna nos campos, silhueta. Era
    possível que estivesses sorrindo; para ti apenas, para a tua alma, vendo-te a ti
    na tua ideia, a sorrir. Mas os teus lábios eram calmos como o recorte dos
    montes; e o gesto, que deslembro, das tuas mãos rústicas engrinaldado com
    flores do campo.
    Foi num quadro, sim, que te vi. Mas donde me vem esta ideia de que te vi
    aproximares-te e passares por mim e eu seguir, não me voltando para trás por
    te estar vendo sempre e ainda? Estaca o Tempo para te deixar passar, e eu
    erro-te quando te quero colocar na vida — ou na semelhança da vida.







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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:21



    PERISTILO



    Às horas em que a paisagem é uma auréola de Vida, e o sonho é apenas
    sonhar-se, eu ergui, ó meu amor, no silêncio do meu desassossego, este livro
    estranho como portões abertos numa casa’ abandonada.
    Colhi para escrevê-lo a alma de todas as flores, e dos momentos efémeros
    de todos os cantos de todas as aves, teci eternidade e estagnação. Tecedeira
    sentei-me à janela da minha vida e esqueci que habitava e era, tecendo lençóis
    para o meu tédio amortalhar nas toalhas de linho casto para os altares do meu
    silêncio, e eu ofereço-te este livro porque sei que ele é belo e inútil. Nada
    ensina, nada faz crer, nada faz sentir. Regato que corre para um abismo-cinza
    que o vento espalha e nem fecunda nem é daninho – pus toda a alma
    em fazêlo, mas não pensei nele, mas só em mim que sou triste e em ti que não és
    ninguém.
    E porque este livro é absurdo, eu o amo; porque é inútil, eu o quero dar; e
    porque de nada serve querer to dar, eu to dou...
    Reza por mim o lê-lo, abençoa-me de amá-lo e esquece-o como o Sol de
    hoje ao Sol de ontem (como eu esqueço aquelas mulheres nos sonhos que
    nunca soube sonhara).
    Torre do Silêncio das minhas ânsias, que este livro seja o luar que te fez
    outra na noite do Mistério Antigo!
    Rio de Imperfeição dolorida, que este livro seja o barco deixado ir pelas
    tuas águas abaixo para acabar mar que se sonhe.
    Paisagem de Alheamento e de Abandono, que este livro seja teu como a tua
    Hora e se limite de ti como da Hora de púrpura falsa .






    cont
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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:22

    ***


    ***
    Correm rios, rios eternos por baixo da janela do meu silêncio. Vejo a outra
    margem sempre e não sei porque não sonho estar lá, outro e feliz. Talvez
    porque só tu consolas, e só tu embalas e só tu unges e oficias.
    Que missa branca interrompes para me lançar a bênção de te mostrar
    sendo? Em que ponto ondeado da dança estacas, e o Tempo contigo, para do
    teu parar fazeres ponte até minha alma e do teu sorriso púrpura do meu
    fausto?
    Cisne de desassossego rítmico, lira de horas imortais, harpa incerta de
    pesares míticos — tu és a Esperada e a Ida, a que afaga e fere, a que doura de
    dor as alegrias e coroa de rosas as tristezas.
    Que Deus te criou, que Deus odiado pelo Deus que se fez o mundo?
    Tu não o sabes, tu não sabes que o não sabes, tu não queres saber nem não
    saber. Despiste de propósitos a tua vida, nimbaste de irrealidade o teu
    mostrar-te, vestiste-te de perfeição e de intangibilidade, para que nem as
    Horas te beijassem, nem os Dias te sorrissem, nem as Noites te viessem pôr a
    lua entre as mãos para que ela parecesse um lírio.
    Desfolha ó meu amor sobre mim pétalas de melhores rosas, de mais
    perfeitos lírios, pétalas de crisântemos EI cheirosas à melodia do seu nome.
    E eu morrerei em mim a tua vida, ó Virgem que nenhum abraço espera,
    que nenhum beijo busca, que nenhum pensamento desflora .
    Átrio só átrio de todas as esperanças, Limiar de todos os desejos, Janela
    para todos os sonhos, Belveder para todas as paisagens que são floresta
    noturna e rio longínquo trémulo do muito luar...
    Versos, prosas que se não pensam escrever, mas sonhar apenas.






    cont
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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:24

    ***



    ***
    Tu não existes, eu bem sei, mas sei eu ao certo se existo? Eu, que te existo
    em mim, terei mais vida real do que tu, do que a própria vida que te vive?
    Chama tornada auréola, presença ausente, silêncio rítmico e fêmea,
    crepúsculo de vaga carne, taça esquecida para o festim, vitral pintado por um
    pintor-sonho numa idade média de outra Terra.
    Cálice e hóstia de requinte casto, altar abandonado de santa ainda viva,
    corola de lírio sonhado do jardim onde nunca ninguém entrou...
    És a única forma que não causa tédio, porque és sempre mudável com o
    nosso sentimento, porque, como beijas a nossa alegria, embalas a nossa dor, e
    ao nosso tédio, és-lhe o ópio que conforta e o sono que descansa, e a morte
    que cruza e junta as mãos.
    Anjo, de que matéria é feita a tua matéria alada? Que vida te prende a que
    terra, a ti que és voo nunca erguido, ascensão estagnada, gesto de enlevo e de
    descanso?









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     FERNANDO PESSOA II   (13/ 06/1888- 30/11/1935) ) - Página 5 Empty Re: FERNANDO PESSOA II (13/ 06/1888- 30/11/1935) )

    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:25

    ***

    ***
    Farei do sonhar-te o ser forte, e a minha prosa, quando fale a tua Beleza,
    terá melodias de forma, curvas de estrofes, esplendores súbitos como os dos
    versos imortais.
    Criemos, ó Apenas-Minha, tu por existires e eu por te ver existir, uma arte
    outra do que toda a arte havida.
    Do teu corpo de ânfora inútil saiba eu tirar a alma” de novos versos, e do
    teu ritmo lento de onda silenciosa saibam os meus dedos trémulos ir buscar as
    linhas pérfidas de uma prosa virgem de ser ouvida.
    O teu sorriso melodioso indo-se seja para mim símbolo e emblema visível
    do soluço calado do inúmero mundo ao saber-se erro e imperfeição .
    As tuas mãos de tocadora de harpa me fechem as pálpebras quando eu
    morrer de ter dado a construir-te a minha vida. E tu, que não és ninguém,
    serás para sempre, ó Suprema, a arte querida dos deuses que nunca foram, e a
    mãe virgem e estéril dos deuses que nunca serão.




    fin









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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:26


    SENTIMENTO APOCALÍPTICO



    Pensando que cada passo na minha vida era um contacto com o horror do
    Novo, e que cada nova pessoa que eu conhecia era um novo fragmento vivo
    do desconhecido que eu punha em cima da minha mesa para quotidiana
    meditação apavorada — decidi abster-me de tudo, não avançar para nada,
    reduzir a ação ao mínimo, furtar-me o mais possível a que eu fosse
    encontrado quer pelos homens, quer pelos acontecimentos, requintar sobre a
    abstinência e pôr a abdicação a bizantino. Tanto o viver me apavora e me
    tortura.
    Decidir-me, finalizar qualquer coisa, sair do duvidoso e do obscuro, são
    coisas que se me figuram catástrofes, cataclismos universais.
    Sinto a vida um apocalipse e cataclismo. Dia a dia em mim aumenta a
    incompetência para sequer esboçar gestos, para me conceber sequer em
    situações claras de realidade.
    A presença dos outros — tão inesperada de alma a todo o momento — dia
    a dia me é mais dolorosa e angustiante. Falar com os outros percorre-me de
    arrepios. Se mostram interesse por mim, fujo. Se me olham, estremeço. Se
    estou numa defesa perpétua. Doo-me a vida e a outros. Não posso fitar a
    realidade frente a frente. O próprio sol já me desanima e me desola. Só à
    noite, e à noite a sós comigo, alheio, esquecido, perdido — sem liga com a
    realidade nem parte com a utilidade — me encontro e me dou conforto.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:27

    ***


    Tenho frio da vida. Tudo é caves húmidas e catacumbas sem luz na minha
    existência. Sou a grande derrota do último exército que sustinha o último
    império. Saibo-me a fim de uma civilização antiga e dominadora. Estou só e
    abandonado, eu que como que costumei mandar outros. Estou sem amigo,
    sem guia, eu a quem sempre outros guiaram...
    Qualquer coisa em mim pede eternamente compaixão — e chora sobre si
    como sobre um deus morto, sem altares no culto, quando a vinda branca dos
    bárbaros moqueou nas fronteiras e a vida veio pedir contas ao império do que
    ele fizera da alegria.
    Tenho sempre receio de que falem em mim. Falhei em tudo. Nada ousei
    sequer pensar em ser; pensar que o desejaria nem sequer o sonhei, porque no
    próprio sonho me conheci incompatível para a vida, até no meu estado
    visionário de sonhador apenas.
    Nem um sentimento levanta a minha cabeça do travesseiro onde a afundo
    por não poder com o corpo, nem com a ideia de que vivo, ou sequer com a
    ideia absoluta da vida.
    Não falo a língua das realidades, e entre as coisas da vida cambaleio como
    um doente de longo leito que se ergue pela primeira vez. Só no leito me sinto
    na vida normal. Quando a febre chega agrada-me como coisa natural EI ao
    meu estado recumbente. Como uma chama ao vento tremo e estonteio-me.
    Só no ar morto dos quartos fechados respiro a normalidade da minha vida










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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:27

    ***
    Nem uma saudade já me resta dos búzios à beira dos mares. Conformei-me
    com ter-me a minha alma por convento e eu não ser mais para mim do que
    outono sobre descampados secos, sem mais vida viva do que um reflexo
    como de uma luz que finda na escuridão endosselada dos tanques, sem mais
    esforço e cor do que o esplendor violeta-exílio do fim do poente sobre os
    montes.
    No fundo nenhum outro prazer do que a análise da dor, nem outra volúpia
    que a do colear líquido e doente das sensações quando se esmiuçam e se
    decompõem — leves passos na sombra incerta, suaves ao ouvido, e nós nem
    nos voltamos para saber de quem são, vagos cantos longínquos, cujas palavras
    não buscamos colher, mas onde nos embala mais o indeciso do que dirão e a
    incerteza do lugar donde vêm; ténues segredos de águas pálidas, enchendo de
    longes leves os espaços e noturnos; guizos de carros longínquos, regressando
    donde? E que alegrias lá dentro, que não se ouvem aqui, sonolentos no torpor
    morno na tarde onde o verão se esquece a outono... Morreram as flores do
    jardim, e, murchas, são outras flores — mais antigas, mais nobres, mais coevas
    a amarelo morto com o mistério e o silêncio e o abandono. As bolhas de água
    que afloram nos tanques têm a sua razão para os sonhos. Coaxar distante das
    rãs! Ó campo morto em mim! Ó sossego rústico passado em sonhos! Ó
    minha vida fútil como um maltês que não trabalha e dorme à beira dos
    caminhos com o aroma dos prados a entrar-lhe na alma como um nevoeiro,
    num sono translúcido e fresco, fundo e cheio de entender com tudo que nada
    liga a nada, noturno, ignorado, nómada e cansado sob a compaixão fria das
    estrelas.







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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:28

    ***



    Sigo o curso dos meus sonhos, das imagens degraus para outras imagens;
    desdobrando, como um leque, as metáforas casuais em grandes quadros de
    visão interna; desato de mim a vida, e ponho-a de banda como a um traje que
    aperta. Oculto-me entre árvores longe das estradas. Perco-me. E logro, por
    momentos que correm levemente, esquecer o gosto à vida, deixar ir-se a ideia
    de luz e de bulício e acabar conscientemente, absurdamente pelas sensações
    fora, com um império de ruínas angustiadas, e uma entrada entre pendões e
    tambores de vitória numa grande cidade final onde não choraria nada, nem
    desejaria nada e nem a mim próprio pediria o ser.
    Doem-me as superfícies das águas dos tanques que criei em sonhos. É
    minha a palidez da lua que visiono sobre paisagens de florestas. E o meu
    cansaço o outono dos céus estagnados que recordo e não vi nunca. Pesa-me
    toda a minha vida morta, todos os meus sonhos faltos, tudo meu que não foi
    meu, no azul dos meus céus interiores, no tinir à vista do correr dos meus rios
    na alma, no vasto e inquieto sossego dos trigos nas planícies que vejo e que
    não vejo.
    Uma chávena de café, um tabaco que se fuma e cujo aroma nos atravessa,
    os olhos quase cerrados num quarto em penumbra... Não quero mais da vida
    do que os meus sonhos e isto... Se é pouco? Não sei. Sei eu acaso o que é
    pouco ou o que é muito?
    Tarde de verão lá fora como eu gostaria de ser outro... Abro a janela. Tudo
    lá fora é suave, mas punge-me como uma dor incerta, como uma sensação
    vaga de descontentamento.
    E uma última coisa punge-me, rasga-me, esfrangalha-me toda a alma. É que
    eu, a esta hora, a esta janela, perante estas coisas tristes e suaves, devia ser uma
    figura estética, bela, como uma figura num quadro — e eu não o sou, nem isto
    sou...
    A hora que passe e esqueça... A noite que venha, que cresça, que caia sobre
    tudo e nunca se erga. Que esta alma seja o meu túmulo para sempre, e que se
    absolute em treva e eu nunca mais possa viver sem sentir ou desejar.








    FIN

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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 09:29


    SINFONIA DA NOITE INQUIETA



    Os crepúsculos nas cidades antigas, com tradições desconhecidas escritas
    nas pedras negras dos edifícios pesados; as antemanhãs trémulas nas campinas
    alagadas, pantanosas, húmidas como o ar antes do sol; as vielas, onde tudo é
    possível, as arcas pesadas nas salas vetustas; o poço ao fundo da quinta ao
    luar; a carta datada dos primeiros amores da nossa avó que não conhecemos;
    o mofo dos quartos onde se arrecada o passado; a espingarda que ninguém
    hoje sabe usar; a febre nas tardes quentes à janela; ninguém na estrada; o sono
    com sobressaltos; a moléstia que alastra pelas vinhas; sinos; a mágoa claustral
    de viver... Hora de bênçãos tuas mãos subtis... A carícia nunca vem, a pedra
    do anel sangra no quase-escuro... Festas de igreja sem crença na alma: a beleza
    material dos santos toscos e feios, paixões românticas na ideia de tê-las, a
    maresia, à noite entrada, nos cais da cidade humedecida pelo arrefecer...
    Magras, tuas mãos alam-se sobre quem a vida sequestra. Longos
    corredores, e as frestas, janelas fechadas sempre abertas, o frio no chão como
    as campas, a saudade de amar como uma viagem por fazer às terras
    incompletas... Nomes de rainhas antigas... Vitrais onde pintaram condes
    fortes... A luz matutina vagamente espalhada, como um incenso frio pelo ar da
    igreja concentrado no escuro do chão impenetrável... As mãos secas uma
    contra a outra.
    Os escrúpulos do monge que, no livro antiquíssimo encontra, nos
    algarismos absurdos, ensinamentos dos magos, e nas estampas decorativas os
    passos da Iniciação.
    Praia ao sol a febre em mim... O mar luzindo a minha angústia na
    garganta... As velas ao longe e como andam na minha febre... Na febre as
    escadas para a praia... Calor na brisa fresca, transmarina, mare vorax, minax,
    mare tenebrosum — a noite escura lá longe para os argonautas e a minha testa
    a arder as caravelas primitivas...
    Tudo é dos outros, salvo a mágoa de o não ter.
    Dá a agulha a mim... Hoje faltam no seio de casa os seus passos pequenos e
    o não se saber onde ela está metida, tudo o que estará a lavrar com pregas,
    com cores, com alfinetes. Hoje as suas costuras estão fechadas para sempre
    em gavetas de correr na cómoda — supérfluas — e não há o calor de braços
    sonhados à roda do pescoço da mãe.










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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Nov 2023, 17:18



    UMA CARTA



    Há um vago número de muitos meses que me vê olhá-la, olhá-la
    constantemente, sempre com o mesmo olhar incerto e solícito. Eu sei que tem
    reparado nisso. E como tem reparado, deve ter achado estranho que esse
    olhar, não sendo propriamente tímido, nunca esboçasse uma significação.
    Sempre atento, vago e o mesmo, como que contente de ser só a tristeza
    disso... Mais nada... E dentro do seu pensar nisso – seja o sentimento qual seja
    com que tem pensado em mim — deve ter perscrutado as minhas possíveis
    intenções. Deve ter explicado a si própria, sem se satisfazer, que eu sou ou um
    tímido especial e original, ou uma qualquer espécie de qualquer coisa
    aparentado com o ser louco.
    Eu não sou, minha Senhora, perante o facto de olhá-la, nem estritamente
    um tímido, nem assentemente um louco. Sou outra coisa primeira e diversa,
    como, sem esperança de que me creia, lhe vou expor. Quantas vezes eu
    segredava ao seu ser sonhado: Faça o seu dever de ânfora inútil, cumpra o seu
    mister de mera taça.
    Com que saudade da ideia que quis forjar-me’ de si percebi um dia que era
    casada! O dia em que percebi isso foi trágico na minha vida. Não tive ciúmes
    do seu marido. Nunca pensei se acaso o tinha. Tive simplesmente saudades da
    minha ideia de si. Se eu um dia soubesse este absurdo — que uma mulher
    num quadro — sim essa — era casada, a mesma seria a minha dor.
    Possuí-la? Eu não sei como isso se faz. E mesmo que tivesse sobre mim a
    mancha humana de sabê-lo, que infame eu não seria para mim próprio, que
    insultador agente da minha própria grandeza, ao pensar sequer em nivelar-me
    com o seu marido!
    Possuí-la? Um dia que acaso passe sozinha numa rua escura um assaltante
    pode subjugá-la e possuí-la, pode fecundá-la até e deixar atrás de si esse rasto
    uterino. Se possuí-la é possuir-lhe o corpo, que valor há nisso?
    Que não lhe possui a alma?... Como é que se possui uma alma? E pode
    haver um hábil e amoroso que consiga possuir-lhe essa "alma". Que seja o seu
    marido esse... Queria que eu descesse ao nível dele?
    Quantas horas tenho passado em convívio secreto com a ideia de si! Temonos amado tanto, dentro dos meus sonhos! Mas mesmo aí, eu lho juro, nunca
    me sonhei possuindo-a. Sou um delicado e um casto mesmo nos meus
    sonhos. Respeito até a ideia de uma mulher bela.








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    Mensaje por Maria Lua Vie 01 Dic 2023, 16:26

    ***



    ***
    Eu não saberia nunca como ajeitar a minha alma a levar o meu corpo a
    possuir o seu. Dentro de mim, mesmo ao pensar nisso tropeço em obstáculos
    que não vejo, enredo-me em teias que não sei o que são. Que muito mais me
    não aconteceria se eu quisesse possuí-la realmente?
    Que eu — repito-lho — era incapaz de o tentar fazer. Nem sequer me
    ajeito a sonhar-me.
    São estas, minha Senhora, as palavras que tenho a escrever à margem da
    significação do seu olhar involuntariamente interrogativo. É neste livro que,
    primeiro, lerá esta carta para si. Se não souber que é para si, resignar-me-ei a
    que assim seja. Escrevo mais para me entreter do que para lhe dizer qualquer
    coisa. Só as cartas comerciais são dirigidas. Todas as outras devem, pelo
    menos para o homem superior, ser apenas dele para si próprio.
    Nada mais tenho a dizer-lhe. Creia que a admiro tanto quanto posso.
    Serme-ia agradável que pensasse em mim às vezes.







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    Mensaje por Maria Lua Dom 03 Dic 2023, 11:00






    VIAGEM NUNCA FEITA




    Foi por um crepúsculo de vago outono que eu parti para essa viagem que
    nunca fiz.
    O céu — impossivelmente me recordo — era de um resto roxo de ouro
    triste, e a linha agónica dos montes, lúcida, tinha uma auréola cujos tons de
    morte lhe penetravam amaciadores, na astúcia do seu contorno. Da outra
    amurada’ do barco (estava mais frio e era mais noite sob esse lado do toldo) o
    oceano tremia-se até onde o horizonte leste se entristecia, e onde, pondo
    penumbras de noite na linha líquida e obscura do mar extremo, um hálito de
    treva pairava como uma névoa em dia de calor.
    O mar, recordo-me, tinha tonalidades de sombra, de mistura com figuras
    ondeadas de vaga luz — e era tudo misterioso como uma ideia triste numa
    hora de alegria, profética não sei de quê.
    Eu não parti de um porto conhecido. Nem hoje sei que porto era, porque
    ainda nunca lá estive. Também, igualmente, o propósito ritual da minha
    viagem era ir em demanda de portos inexistentes — portos que fossem
    apenas o entrar-para-portos; enseadas esquecidas de rios estreitos entre
    cidades irrepreensivelmente irreais. Julgais, sem dúvida, ao ler-me, que as
    minhas palavras são absurdas. É que nunca viajastes como eu.
    Eu parti? Eu não vos juraria que parti. Encontrei-me em outras partes, vi
    outros portos, passei por cidades que não eram aquela, ainda que nem aquela
    nem essas fossem cidades algumas. Jurar-vos que fui eu que parti e não a
    paisagem, que fui eu que visitei outras terras e não elas que me visitaram —
    não vo-lo posso fazer. Eu que, não sabendo o que é a vida, nem sei se sou eu
    que a vivo se é ela que me vive (tenha esse verbo oco "viver" o sentido que
    quiser ter), decerto não vos irei jurar qualquer coisa.
    Viajei. Julgo inútil explicar-vos que não levei nem meses, nem dias, nem
    outra quantidade qualquer de qualquer medida de tempo a viajar. Viajei no
    tempo, é certo, mas não do lado de cá do tempo, onde o contamos por horas,
    dias e meses; foi do outro lado do tempo que eu viajei, onde o tempo se não
    conta por medida. Decorre, mas sem que seja possível medi-lo. É como que
    mais rápido que o tempo que vemos viver-nos . Perguntais-me, a vós, decerto,
    que sentido têm estas frases; nunca erreis assim. Despedi-vos do erro infantil
    de perguntar o sentido às coisas e às palavras. Nada tem um sentido.






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     FERNANDO PESSOA II   (13/ 06/1888- 30/11/1935) ) - Página 5 Empty Re: FERNANDO PESSOA II (13/ 06/1888- 30/11/1935) )

    Mensaje por Maria Lua Dom 03 Dic 2023, 11:16

    ***



    Em que barco fiz essa viagem? No vapor Qualquer. Rides. Eu também, e
    de vós talvez. Quem vos diz, e a mim, que não escrevo símbolos para os
    deuses compreenderem?
    Não importa. Parti pelo crepúsculo. Tenho ainda no ouvido o ruído férreo
    de puxar a âncora a vapor. No soslaio da minha memória movem-se ainda
    lentamente, para enfim entrarem na sua posição de inércia, os braços do
    guindaste de bordo que havia horas tinham magoado a minha vista de
    contínuos caixotes e barris. Estes rompiam súbitos, presos de roda por uma
    corrente, de por cima da amurada onde esbarravam, arranhando, e depois,
    oscilando, se iam deixando empurrar, empurrar, até ficarem por cima do
    porão, para onde, súbitos, desciam, até, com um choque surdo e madeirento,
    chegarem esmagadoramente a um lugar oculto do porão. Depois soavam lá
    em baixo o desatarem-nos; em seguida subia só a corrente achincalhante no
    ar, e recomeçava tudo, como que inutilmente.
    Eu para quê vos conto isto? Porque é absurdo estar-vos a contá-lo, visto
    que é das minhas viagens que disse que vos falaria.
    Visitei Novas Europas e Constantinoplas outras acolheram a minha vinda
    veleira em Bósforós falsos. Vinda veleira espantais? E como vos digo, assim
    mesmo. O vapor em que parti chegou barco de vela ao porto ....
    Que isto é impossível, dizeis. Por isso me aconteceu.
    Chegaram-nos, em outros vapores, notícias de guerras sonhadas em Índias
    impossíveis. E, ao ouvir falar dessas terras, tínhamos importunamente
    saudades da nossa, deixada tão atrás, quem sabe se naquele mundo .




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     FERNANDO PESSOA II   (13/ 06/1888- 30/11/1935) ) - Página 5 Empty Re: FERNANDO PESSOA II (13/ 06/1888- 30/11/1935) )

    Mensaje por Maria Lua Dom 03 Dic 2023, 11:18

    ***
    ***
    E assim escondo-me atrás da porta, para que a Realidade, quando entra, me
    não veja. Escondo-me debaixo da mesa, donde, subitamente, prego sustos à
    Possibilidade. De modo que desligo de mim, como aos dois braços de um
    amplexo, os dois grandes tédios que me apertam — o tédio de poder viver só
    o Real, e o tédio de poder conceber só o Possível.
    Triunfo assim de toda a realidade. Castelos de areia, os meus triunfos?... De
    que coisa essencialmente divina são os castelos que não são de areia?
    Como sabeis que, viajando assim, não me rejuvenesço obscuramente?
    Infantil de absurdo, revivo a minha meninice, e brinco com as ideias das
    coisas como com soldados de chumbo, com os quais eu, quando menino,
    fazia coisas que embirravam com a ideia de soldado.
    Ébrio de erros, perco-me por momentos de sentir-me viver.



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    Mensaje por Maria Lua Dom 03 Dic 2023, 11:19

    ***

    ***
    — Naufrágios? Não, nunca tive nenhum. Mas tenho a impressão de que
    todas as minhas viagens naufraguei, estando a minha salvação escondida em
    inconsciências intervalantes.
    — Sonhos vagos, luzes confusas, paisagens perplexas — eis o que me
    resta’ na alma de tanto que viajei.
    Tenho a impressão de que conheci horas de todas as cores, amores de
    todos os sabores, ânsias de todos os tamanhos. Desmedi-me pela vida fora e
    nunca me bastei nem me sonhei bastando-me.
    — Preciso explicar-lhe que viajei realmente. Mas tudo me sabe a constar -
    me que viajei, mas não vivi. Levei de um lado para o outro, de norte para sul..,
    de leste para oeste, o cansaço de ter tido um passado, o tédio de viver um
    presente, e o desassossego de ter que ter um futuro. Mas tanto me esforço
    que fico todo no presente, matando dentro de mim o passado e o futuro.
    — Passeei pelas margens dos rios cujo nome me encontrei ignorando. Às
    mesas dos cafés de cidades visitadas descobri-me a perceber que tudo me
    sabia a sonho, a vago. Cheguei a ter às vezes a dúvida se não continuava
    sentado à mesa da nossa casa antiga, imóvel e deslumbrado por sonhos! Não
    lhe posso afirmar que isso não aconteça, que eu não esteja lá agora ainda, que
    tudo isto, incluindo esta conversa consigo, não seja falso e suposto. O senhor
    quem é? Dá-se o facto ainda absurdo de não o poder explicar...



    ***



    Não desembarcar pois não tem cais onde se desembarque. Nunca chegar
    implica não chegar nunca.

    FIN







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