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    Mensaje por Maria Lua Lun 10 Abr 2023, 09:09

    RESSUREIÇÃO


    NÃO CANTES, não cantes, porque veem de longe os náufragos,
    veem os prêsos, os tortos, os monges, os oradores, os suicidas.
    Veem as portas, de novo, e o frio das pedras, das escadas,
    e, numa roupa preta, aquelas duas mãos antigas.

    E uma vela de móvel chama fumosa. E os livros. E os escritos.
    Não cantes. A praça cheia torna-se escura e subterrânea.
    E meu nome se escuta a si mesmo, triste e falso.

    Não cantes, não. Porque era a música da tua
    voz que se ouvia. Sou morta recente, ainda com lágrimas.

    Alguém cuspiu por distração sobre as minhas pestanas.
    Por isso vi que era tão tarde.

    E deixei nos meus pés ficar o sol e andarem môscas.
    E dos meus dentes escorrer uma lenta saliva.
    Não cantes, pois trancei o meu cabelo, agora,
    e estou diante do espêlho, e sei melhor que ando fugida.



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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Mar 11 Abr 2023, 10:06

    SERENATA



    PERMITE que feche os meus olhos,
    pois é muito longe e tão tarde!
    Pensei que era apenas demora,
    e cantando pus-me a esperar-te.

    Permite que agora emudeça:
    que me conforme em ser sòzinha.
    Há uma doce luz no silêncio
    e a dôr é de origem divina.

    Permite que volte o meu rôsto
    para um céu maior que êste mundo,
    e aprenda a ser docil no sonho
    como as estrêlas no seu rumo.


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    Mensaje por Maria Lua Miér 12 Abr 2023, 09:46

    SERENATA



    PERMITE que feche os meus olhos,
    pois é muito longe e tão tarde!
    Pensei que era apenas demora,
    e cantando pus-me a esperar-te.

    Permite que agora emudeça:
    que me conforme em ser sòzinha.
    Há uma doce luz no silêncio
    e a dôr é de origem divina.

    Permite que volte o meu rôsto
    para um céu maior que êste mundo,
    e aprenda a ser docil no sonho
    como as estrêlas no seu rumo.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 13 Abr 2023, 20:46

    PRAIA


    NUVEM, caravela branca
    no ar azul do meio dia:
    — quem te viu como eu te via?

    Rolaram trovões escuros
    pela vertente dos montes.
    Tremeram súbitas fontes.

    Depois, ficou tudo triste
    como o nome dos defuntos:
    mar e céu morreram juntos.

    Vinha o vento do mar alto
    e levantava as areias,
    sem vêr como estavam cheias

    de tanta coisa esquecida,
    pisada por tantos passos,
    quebrada em tantos pedaços!

    Por onde ficou teu corpo,
    — ilusão de claridade —
    quando se fez tempestade?

    Nuvem, caravela branca,
    nunca mais há meio dia?
    (Já nem sei como te via!)


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    Mensaje por Maria Lua Jue 13 Abr 2023, 20:48

    SEREIA


    LINDA é a mulher e o seu canto,
    ambos guardados no luar.
    Seus olhos doces de pranto
    — quem os pode enxugar
    devagarinho com a bôca,
    ai!
    com a bôca, devagarinho...

    Na sua voz transparente
    giram sonhos de cristal.
    Nem ar nem onda corrente
    passuem suspiro igual,
    nem os búzios nem as violas,
    ai!
    nem as violas nem os búzios...

    Tudo pudesse a beleza,
    e, de encoberto país,
    viria alguém, com certeza,
    para fazê-la feliz,
    contemplando-lhe alma e corpo,
    ai!
    alma e corpo contemplando-lhe...

    Mas o mundo está dormindo
    em travesseiros de luar.
    A mulher do canto lindo
    ajuda o mundo a sonhar,
    com o canto que a vai matando,
    ai!
    E morrerá de cantar.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 13 Abr 2023, 20:49

    ENCONTRO


    DESDE o tempo sem número em que as origens se elaboram,
    se estendem para mim os teus braços eternos,
    que um estatuário de caminhos invisíveis
    construiu com a côr e o frio e o som morto de mármores,
    para que em teu abraço haja imóveis invernos.

    Tu bem sabes que sou uma chama da terra,
    que ardentes raízes nutrem meu crescer sem termo;
    adextrei-me com o vento, e a minha festa é a tempestade,
    e a minha imagem, como jôgo e pensamento,
    abre em flor o silêncio, para enfeitar alturas e êrmo.

    Os teus braços que veem com essa brancura incalculável
    que de tão ser sem côr nem se compreende como existe,
    — são os braços finais em que cedem os corpos,
    e a alma cai sem mais nada, exausta de seu próprio nome,
    com uma improvável forma, um vão destino e um pêso triste.

    Pois eu, que sinto bem êsses teus braços paralelos,
    na atitude sem dôr que é o rumo e o ritmo dessa viagem,
    digo que não cairei com uma fadiga permitida,
    que não apagarei êste desenho puro e ardente
    com que, de fôgo e sangue, foi traçada a minha imagem.

    Eu ficarei em ti, mísera, inútil, mas rebelde,
    última estrêla só, do campo infiel aos céus escassos.
    E tu mesma acharás pasmos de lagos e de areias,
    diante da forma exígua, sustentada só de sonho
    mantendo chama e flor no gêlo dos teus braços.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 13 Abr 2023, 20:51

    EPIGRAMA N.o 8


    ENCOSTEI-ME a ti, sabendo bem que eras sòmente onda.
    Sabendo bem que eras núvem, depús a minha vida em ti.


    Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
    fiquei sem poder chorar, quando caí.



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    84

    *******************

    EPIGRAMA Nº 8


    Me acerqué a ti, sabiendo que eras sólo ola.
    Sabiendo que eras nube, puse mi vida en ti.


    Como sabía todo eso, y me di a tu destino frágil,
    me quedé sin poder llorar, cuando caí.



    Cecilia Meireles
    (Versiones de Pedro Casas Serra)


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    Mensaje por Maria Lua Vie 14 Abr 2023, 09:21

    CANTIGA


    AI! A MANHÃ primorosa
    do pensamento...
    Minha vida é uma pobre rosa
    ao vento.

    Passam arroios de côres
    sôbre a paisagem.
    Mas tu eras a flor das flôres,
    Imagem!

    Vinde ver asas e ramos,
    na luz sonora!
    Ninguém sabe para onde vamos
    agora.

    Os jardins têm vida e morte,
    noite e dia...
    Quem conhecesse a sua sorte,
    morria.

    E é nisto que se resume
    o sofrimento:
    cai a flor, — e deixa o perfume
    no vento!


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 15 Abr 2023, 19:55

    CAVALGADA


    MEU SANGUE corre como um rio
    num grande galope,
    num ritmo bravio,
    para onde acena a tua mão.

    Pelas suas ondas revôltas,
    seguem desesperadamente
    todas as minhas estrêlas soltas,
    com a máxima cintilação.

    Ouve, no tumulto sombrio,
    passar a torrente fantástica!
    E, na luta da luz com as trevas,
    todos os sonhos que me levas,
    dize, ao menos, para onde vão!



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    Mensaje por Maria Lua Dom 16 Abr 2023, 17:04

    GRILO


    ESTRELINHA de lata,
    assovio de vidro,
    no escuro do quarto do menino doente.

    A febre alarga
    os pulsos hirtos;
    mas dentro dos olhos ha um sol contente.

    Pássaro de prata
    sacudindo guisos
    no sonho mágico do menino moribundo.

    Gota amarga
    dos olhos frios,
    rolando, rolando no peito do mundo...




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    Mensaje por Maria Lua Dom 16 Abr 2023, 20:22

    IMAGEM


    MEU CORAÇÃO tombou na ' vida
    tal qual uma estrela ferida
    pela flecha de um caçador.

    Meu coração, feito de chama,
    em lugar de sangue, derrama
    um longo rio de esplendor.

    Os caminhos do mundo. agora,
    ficam semeados de aurora,
    não sei o que germinarão.

    Não sei que dias singulares
    cobrirão as terras e os mares,
    nascidos do meu coração.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 17 Abr 2023, 12:42

    ACONTECIMENTO

    AQUI estou, junto à tempestade,
    chorando como uma criança
    que viu que não eram verdade
    o seu sonho e a sua esperança.

    A chuva bate-me no rosto
    e em meus cabelos sopra o vento.
    Vão-se desfazendo em desgôsto
    as formas do meu pensamento.

    Chorarei toda a noite, enquanto
    perpassa o tumulto nos ares,
    para não me veres em pranto,
    nem saberes, nem perguntares:

    «Que foi feito do teu sorriso,
    que era tão claro e tão perfeito?»
    E o meu pobre olhar indeciso
    não te repetir: «Que foi feito...?»


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    Mensaje por Maria Lua Lun 17 Abr 2023, 12:44

    EPIGRAMA N.o 9


    O VENTO voa,
    a noite tôda se atordoa,
    a fôlha cai.


    Haverá mesmo algum pensamento
    sôbre essa noite? sôbre êsse vento?
    sôbre essa fôlha que se vai?


    ______________
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    ***********************







    EPIGRAMA Nº 9

    El viento vuela,
    la noche toda se aturde,
    la hoja cae.

    ¿Quedará algún pensamiento
    sobre esa noche? ¿sobre ese viento?
    ¿sobre esa hoja que se va?



    Versión: Pedro casas Serra


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    Mensaje por Maria Lua Mar 18 Abr 2023, 19:24

    PROVÍNCIA


    CIDADEZINHA perdida
    no inverno denso de bruma,
    que é dos teus morros de sombra,
    do teu mar de branda espuma,

    das tuas árvores frias
    subindo das ruas mortas?
    Que é das palmas que bateram
    na noite das tuas portas?

    Pela janela baixinha,
    viam-se os círios acêsos,
    e as flores se desfolhavam
    perto dos soluços presos.

    Pela curva dos caminhos,
    cheirava a capim e a orvalho
    e muito longe as harmônicas
    riam, depois do trabalho.

    Que é feito da tua praça,
    ond a morena sorria
    com tanta noite nos olhos
    e, na bôca, tanto dia?

    Que é feito daquelas caras
    escondendo o seu segrêdo?
    Dos corredores escuros
    com paredes só de mêdo?

    Que é feito da minha vida
    abandonada na tua,
    do instante de pensamento
    deixado nalguma rua?

    Do perfume que me deste,
    que nutriu minha existência,
    e hoje é um tempo de saüdade,
    sobre a minha própria ausência?




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    Mensaje por Maria Lua Miér 19 Abr 2023, 15:42

    CANTAR


    CANTAR de beira de rio;
    água que bate na pedra,
    pedra que não dá resposta.

    Noite que vem por acaso,
    trazendo nos lábios negros
    o sonho de que se gosta.

    Pensamento do caminho
    pensando o rosto da flor
    que pode vir, mas não vem.

    Passam luas — muito longe,
    estrêlas — muito impossíveis,
    nuvem sem nada, também.

    Cantar de beira de rio:
    o mundo coube nos olhos,
    todo cheio, mas vazio.

    A água subiu pelo campo,
    mas o campo era tão triste...
    Ai!
    Cantar de beira de rio.





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    Mensaje por Maria Lua Jue 20 Abr 2023, 17:11

    DESTINO



    PASTORA de nuvens, fui posta a serviço
    por uma campina tão desamparada
    que não principia nem também termina,
    e onde nunca é noite e nunca madrugada.

    (Pastores da terra, vós tendes sossêgo,
    que olhais para o sol e encontrais direção.
    Sabeis quando é tarde, sabeis quando é cedo.
    Eu, não.)

    Pastora de nuvens, por muito que espere,
    não há quem me explique meu vário rebanho.
    Perdida atrás dele na planície aérea,
    não sei si o conduzo, não sei si o acompanho.

    (Pastores da terra, que saltais abismos,
    nunca entendereis a minha condição.
    Pensai que ha firmezas, pensais que ha limites.
    Eu, não.)

    Pastora de nunvens, cada luz colore
    meu canto e meu gado de tintas diversas.
    Por todos os lados o vento revolve
    os velos instáveis das reses dispersas.

    (Pastores da terra, de certeiros olhos,
    como é tão serena a vossa ocupação!
    Tendes sempre o indício da sombra que foge...
    Eu, não.)

    Pastora de nuvens, não paro nem durmo
    neste móvel prado, sem noite e sem dia.
    Estrêlas e luas que jorram, deslumbram
    o gado inconstante que se me extravia.

    (Pastores da terra, debaixo das folhas
    que entornam frescura num plácido chão,
    sabeis onde pousam ternuras e sonos.
    Eu, não.)

    Pastora de nuvens, esqueceu-me o rosto
    do dona das reses, do dono do prado.
    E às vezes parece que dizem meu nome,
    que me andam seguindo, não sei por que lado.

    (Pastores da terra, que vedes pessoas
    sem serem apenas de imaginação,
    podeis encontrar-vos, falar tanta coisa!
    Eu, não.)

    Pastora de nuvens, com a face deserta,
    sigo atrás de formas com feitios falsos,
    queimando vigílias na planície eterna
    que gira debaixo dos meus pés descalços.

    (Pastores da terra, tereis um salário,
    e andará por bailes vosso coração.
    Dormireis um dia como pedras suaves.
    Eu, não.)




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    Mensaje por Maria Lua Sáb 22 Abr 2023, 18:49

    QUADRAS


    NA CANÇÃO que vai ficando
    já não vai ficando nada:
    é menos do que o perfume
    de uma rosa desfolhada.
    ///
    Os remos batem nas águas:
    têm de ferir, para andar.
    As águas vão consentindo —
    êsse é o destino do mar.
    ///
    Passarinho ambicioso
    fez nas nuvens o seu ninho.
    Quando as nuvens forem chuva,
    pobre de ti, passarinho.
    ///
    O vento do mês de Agosto
    leva as folhas pelo chão;
    só não toca no teu rosto
    que está no meu coração.
    ///
    Os ramos passam de leve
    na face da noite azul.
    É assim que os ninhos aprendem
    que a vida tem norte e sul.

    ///
    A cantiga que eu cantava,
    por ser cantada morreu.
    Nunca hei de dizer o nome
    daquilo que ha de ser meu.
    ///
    Ao lado da minha casa
    morre o sol e nasce o vento.
    O vento me traz teu nome,
    leva o sol meu pensamento.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 22 Abr 2023, 18:50

    NOTURNO



    SUSPIRO do vento,
    lágrima do mar,
    êste tormento
    ainda pode acabar?

    De dia e de noite,
    meu sonho combate:
    veem sombras, vão sombras,
    não há quem o mate!

    Suspiro do vento,
    lágrima do mar,
    as armas que invento
    são aromas no ar!

    Mandai-me soldados
    de estirpe mais forte,
    com tôdas as armas
    que levam à morte!

    Suspiro do vento,
    lágrima do mar,
    meu pensamento
    não sabe matar!

    Mandai-me êsse arcanjo
    de verde cavalo,
    que desça a êste campo
    a desbaratá-lo!

    Suspiro do vento,
    lágrima do mar,
    que leve êsse arcanjo meu longo tormento,
    e também a mim, para o acompanhar!



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    Mensaje por Maria Lua Sáb 22 Abr 2023, 18:52

    ORIGEM


    O TEMPO gerou meu sonho na mesma roda de alfareiro
    que modelou Sirius e a Estrêla Polar.
    A luz ainda não nasceu, e a forma ainda não está pronta:
    mas a sorte do enigma já se sente respirar.

    Não há norte nem sul: e só os ventos sem nome
    giram com o nascimento — para o fazerem mais veloz.
    E a música geral, que circula nas veias da sombra,
    prepara o mistério alado da sua voz.

    Meu sonho quer apenas o tamanho da minha alma,
    — exato, luminoso e simples como um anel.
    De tudo quanto existe, cinge sòmente o que não morre,
    porque o céu que o inventou cantava sempre eternidade
    rodando a sua argila fiel.




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    Mensaje por Maria Lua Dom 23 Abr 2023, 18:23

    FEITIÇARIA


    NÃO TINHA havido pássaro nem flores
    o ano inteiro.
    Nem guerras, nem aulas, nem missas, nem viagens
    e nem barca e nem marinheiro.

    Nem indústria ou comércio, nem jornal nem rádio,
    o ano inteiro!
    Nem cartas, nem modas. Tudo quanto havia
    era o feitiço de um feiticeiro
    que toldava o mundo e a melancolia.

    Chegaram agora pássaros e flores,
    e de novo guerras, aulas, missas, viagens,
    e marinheiros com remos e barcas
    veem saindo lá do horizonte.

    Brotam de novo antigas imagens
    das coleções de fotografia...
    — moços com roupas de Caronte
    e meninas iguais às Parcas.

    Por isso é que se tem saüdade
    do tempo da feitiçaria.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 24 Abr 2023, 14:22

    MARCHA



    AS ORDENS da madrugada
    romperam por sôbre os montes:
    nosso caminho se alarga
    sem campos verdes nem fontes.
    Apenas o sol redondo
    e alguma esmola de vento
    quebram as formas do sono
    com a idea do movimento.

    Vamos a passo e de longe;
    entre nós dois anda o mundo,
    com alguns vivos pela tona,
    com alguns mortos pelo fundo.
    As aves trazem mentiras
    de países sem sofrimento.
    Por mais que alargue as pupilas,
    mais minha dúvida aumento.

    Também não pretendo nada
    senão ir andando atôa,
    como um número que se arma
    e em seguida se esborôa,
    — e caír no mesmo poço
    de inércia e de esquecimento,
    onde o fim do tempo soma
    pedras, águas, pensamento.

    Gosto da minha palavra
    pelo sabor que lhe deste:
    mesmo quando é linda, amarga
    como qualque fruto agreste.
    Mesmo assim amarga, é tudo
    que tenho, entre o sol e o vento:
    meu vestido, minha música,
    meu sonho e meu alimento.

    Quando penso no teu rosto,
    fecho os olhos de saüdade;
    tenho visto muita coisa,
    menos a felicidade.
    Soltam-se os meus dedos tristes,
    dos sonhos claros que invento.
    Nem aquilo que imagino
    já me dá contentamento.

    Como tudo sempre acaba,
    oxalá seja bem cedo!
    A esperança que falava
    tem lábios brancos de mêdo.
    O horizonte corta a vida
    isento de tudo, isento...
    Não há lágrima nem grito:
    apenas consentimento.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 24 Abr 2023, 14:23

    EPIGRAMA N.o 10


    A MINHA vida se resume,
    desconhecida e transitória,
    em contornar teu pensamento,

    sem levar dessa trajectória
    nem êsse prêmio de perfume
    que as flôres concedem ao vento.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 24 Abr 2023, 14:25

    ONDA

    QUEM falou de primavera
    sem ter visto o teu sorriso,
    falou sem saber o que era.

    ..........................

    Pus o meu lábio indeciso
    na concha verde e espumosa
    modelada ao vento liso:

    tinha frescura de rosa,
    aroma de viagem clara
    e um som de prata gloriosa.

    Mas desfez-se em coisa rara:
    pérolas de sal tão finas
    — nem a areia as igualara!

    Tenho no meu lábio as ruínas
    de arquiteturas de espuma
    com paredes cristalinas.
    ..
    Voltei aos campos de bruma,
    onde as árvores perdidas
    não prometem sombra alguma.

    As coisas acontecidas,
    mesmo longe, ficam perto
    para sempre e em muits vidas:

    mas quem falou do deserto
    sem nunca ver os meus olhos...
    — falou, mas não estava certo.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 24 Abr 2023, 14:26

    HERANÇA


    EU VIM de infinitos caminhos,
    e os meus olho choveram lúcido pranto
    pelo chão.

    Quando é que frutifica, nos caminhos infinitos,
    essa vida, que era tão viva, tão fecunda,
    porque vinha de um coração?

    E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos,
    do pranto que caíu dos meus olhos passados,
    que experiência, ou consôlo, ou prémio alcançarão?



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    Mensaje por Maria Lua Mar 25 Abr 2023, 10:49

    HISTÓRIA


    EU FUI a de mãos ardentes
    que, triste de ser nascida,
    fui subindo altas vertentes
    para a vida.
    E perguntava, à subida:
    «Ó mãos, porque sois ardentes?»

    Água fina que descia,
    flor em pedras debruçada,
    nada ouvia ou respondia...
    Nada, nada.

    E eu ia desenganada,
    sorrindo, porque o sabia.

    E, afinal, no céu, presentes
    tôdas as estrêlas puras,
    pouso as mesmas mãos ardentes
    nas alturas,
    — sem perguntas, sem procuras,
    ricas por indiferentes.

    Mêdo, orgulho, desencanto
    prenderam os movimentos
    dessas mãos que, amando tanto,
    sôbre os ventos
    desfizeram seus intentos,
    vencendo um tácito pranto.

    Ai! por mais que se ande, é certo:
    — não se encontra o bem perfeito.
    Vai nascendo só deserto
    pelo peito.
    E entre o desejado e o aceito
    dorme um horizonte encoberto.

    Como esta bôca sem pedidos,
    e esperanças tão ausentes,
    e esta névoa nos ouvidos
    complacentes,
    — ó mãos, porque sois ardentes? —

    Tudo são sonhos dormidos
    ou dormentes!


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    Mensaje por Maria Lua Mar 25 Abr 2023, 10:51

    ASSOVIO


    NINGUÉM abra a sua porta
    para ver que aconteceu:
    saímos de braço dado,
    a noite escura mais eu.

    Ela não sabe o meu rumo,
    eu não lhe pergunto o seu:
    não posso perder mais nada,
    si o que houve já se perdeu.

    Vou pelo braço da noite,
    levando tudo que é meu:
    — a dôr que os homens me deram,
    e a canção que Deus me deu.



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    Mensaje por Maria Lua Miér 26 Abr 2023, 09:07

    PERSONAGEM


    TEU NOME é quási indiferente
    e nem teu rôsto já me inquieta.
    A arte de amar é exatamente
    a de ser poeta.

    Para pensar em ti, me basta
    o próprio amor que por ti sinto:
    és a idea, serena e casta,
    nutrida do enigma do instinto.

    O lugar da tua presença
    é um deserto, entre variedades:
    mas nêsse deserto é que pensa
    o olhar de tôdas as saüdades.

    Meus sonhos viajam rumos tristes
    e, no seu profundo universo,
    tu, sem forma e sem nome, existes,
    silencioso, obscuro, disperso.

    Tôdas as máscaras da vida
    se debruçam para o meu rôsto,
    na alta noite desprotegida
    em que experimento o meu gôsto.

    Todas as mãos vindas ao mundo
    desfalecem sôbre o meu peito,
    e escuto o suspiro profundo
    de um horizonte insatisfeito.

    Oh! que se apague a bôca, o riso,
    o olhar dêsses vultos precários,
    pelo improvável paraíso
    dos encontros imaginários!

    Que ninguém e que nada exista,
    de quanto a sombra em mim descansa:
    — eu procuro o que não se avista,
    dentre os fantasmas da esperança!

    Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
    teu coração, tua existência,
    tudo — o espaço evita e consome:
    e eu só conheço a tua ausência.

    Eu só conheço o que não vejo.
    E, nêsse abismo do meu sonho,
    alheia a todo outro desejo,
    me decomponho e recomponho...






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    CECILIA MEIRELES ( POETA BRASILEÑA) - Página 22 Empty Re: CECILIA MEIRELES ( POETA BRASILEÑA)

    Mensaje por Maria Lua Miér 26 Abr 2023, 15:39

    PRISIÓN


    En esta ciudad
    cuatro mujeres están en la cárcel.
    Cuatro solamente
    una en la celda que da al río,
    una en la celda que da al monte,
    otra en la celda que da a la iglesia,
    y la última en la que da al cementerio
    allá abajo.
    Cuatro solamente.

    Cuarenta mujeres en otra ciudad,
    cuarenta por lo menos,
    están en la cárcel.
    Diez vueltas hacia las espumas,
    diez hacia la movediza luna,
    diez hacia piedras sin respuesta,
    diez hacia engañosos espejos.
    En celdas de aire, de agua, de vidrio
    están presas cuarenta mujeres
    cuarenta por lo menos, en aquella ciudad.

    Cuatrocientas mujeres
    cuatrocientas, digo, están presas
    cien por odio, cien por amor,
    cien por orgullo, cien por desprecio
    en celdas de hierro, en celdas de fuego,
    en celdas sin hierro y sin fuego, solamente
    de dolor y silencio,
    Cuatrocientas mujeres en otra ciudad
    Cuatrocientas digo, están presas.

    Cuatro mil mujeres en la cárcel,
    y cuatro millones y ya no llevo la cuenta,
    en ciudades que no se dicen,
    en lugares que nadie sabe
    están presas, lo están para siempre
    sin ventana, sin esperanza,
    unas vueltas hacia el presente,
    otras hacia el pasado, y las otras
    hacia el futuro, y el resto el resto,
    sin futuro, pasado o presente
    presas en la prisión giratoria,
    presas en el delirio, en la sombra,
    presas por otros y por sí mismas,
    tan presas que nadie las suelta,
    ni el rojizo rayo del sol
    tampoco la golondrina azul de la luna
    pueden llevar ningún recado
    a la prisión donde las mujeres
    se convierten en sal y muro.




    Traducción de Heloísa Costa Milto
    Del libro ESPECTROS 1919




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    y en ese vuelo y en ese sueño
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    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Jue 27 Abr 2023, 15:58

    PERSONAJE



    Tu nombre me es casi indiferente
    Y ni tu rostro ya me inquieta.
    El arte de amar es exactamente
    el de ser poeta.

    Para pensar en ti, me basta
    el propio amor que por ti siento:
    Eres la idea, serena y casta,
    nutrida del enigma del reflejo.

    El lugar de tu presencia
    es un desierto, entre diversidades:
    pero en ese desierto es en el que piensa
    la mirada de todas las saudades.

    Mis sueños viajan rumbos tristes
    Y, en su profundo universo,
    Tú, sin forma y sin nombre, existes,
    Silencioso, oscuro, disperso.

    Todas las máscaras de la vida
    Se inclinan hacia mi rostro,
    en la alta noche desprotegida
    en que experimento mi gozo.

    Todas las manos venidas al mundo
    desfallecen sobre mi pecho,
    y escucho el sonido profundo
    de un horizonte insatisfecho

    ¡Oh! ¡que se borre la boca, la risa,
    el mirar de esos rostros precarios,
    por el improbable paraíso
    de los encuentros imaginarios!

    ¡Que nadie y que nada exista,
    De cuando la sombra en mí descansa:
    -yo busco lo que no se avista,
    de entre los fantasmas de la esperanza!

    Tu cuerpo, y tu rostro, y tu nombre,
    tu corazón, tu existencia,
    todo- el espacio evita y carcome:
    y yo sólo conozco tu ausencia.

    Yo sólo conozco lo que no veo.
    Y, en ese abismo de mi sueño,
    ajena a todo otro deseo,
    me descompongo y arreglo.






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    Mensaje por Maria Lua Vie 28 Abr 2023, 20:56

    TARDE AMARILLA Y AZUL



    Entre pozos cavados en la tierra seca viajo.
    En la amarilla tierra seca.
    De un lado a otro, pozos y pozos.
    Amarillos y azules saris,
    hombres cubiertos de viejos mantos áureos,
    dóciles niños morenos,
    todo conexo a las vacas veneradas
    que suben y bajan alrededor de los pozos.

    Dorados campos solitarios,
    largas y largas extensiones color mostaza.
    ¿Son flores?
    Luna del crepúsculo abriendo en el cielo jardines aéreos,
    delicadas nubes de ópalo.
    Pozos y pozos, mujeres cargando ramos todavía con hojas,
    árboles caminantes a lo largo de la tarde silenciosa.
    Pasean los pavorreales luminosos y felices.
    Caminan mansos los búfalos de cuernos encaracolados.
    Caminan los búfalos junto a los hombres: una sola familia.
    Y los camellos rojizos aparecen como colinas alzándose,
    y atraviesan la última claridad del crepúsculo.
    Todas las cosas del mundo:
    hombres, flores, animales, agua, cielo…
    ¿Quién está cantando a lo lejos una pequeña tonada?
    De la maleza exigua,
    sale de repente una bandada de pájaros:
    como fuego artificial de estrellas azules.
    (Y el desierto se acerca).


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