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    Mensaje por Maria Lua Jue 06 Abr 2023, 21:22

    GRILO


    MÁQUINA de ouro a rodar na sombra,
    serra de cristal a serrar estrêlas...

    Caem pedaços de sono, entre os silêncios,
    em grandes flores, mornas e dóceis,
    com o pêso e a côr de vagas borboletas.

    Rostos de espuma, nomes de cinza,
    — a vida sobe nos caules da noite, pouco a pouco.

    Máquina de ouro tremendo no ar de vidro frio,
    cortando o brôto das palavras rente à bôca...

    Demanchando nos dedos arquitecturas que iam parando,
    e livros de imagens que o vento compunha, ilògicamente.

    Ah! que é dos ramos de estrêlas finamente desprendidas,
    pela sonora lâmina que estás vibrando sempre, sempre?

    Que é das noites extensas, de ares mansos de alegrias,
    sem ruas, sem habitantes, sem solidão, sem pensamento?

    Que é das mãos esperando o amanhecer definitivo
    e caídas também na torrente do tempo?


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    CECILIA MEIRELES ( POETA BRASILEÑA) - Página 21 Empty Re: CECILIA MEIRELES ( POETA BRASILEÑA)

    Mensaje por Maria Lua Jue 06 Abr 2023, 21:23


    DESCRIÇÃO


    HÁ UMA água clara que cai sôbre pedras escuras
    e que, só pelo som, deixa ver como é fria.

    Há uma noite por onde passam grandes estrêlas puras.
    Há um pensamento esperando que se forme uma alegria.

    Há um gesto acorrentado e uma voz sem coragem,
    e um amor que não sabe onde é que anda o seu dia.

    E a água cai, refletindo estrêlas, céu, folhagem...
    Cai para sempre!

    E duas mãos nela mergulham com tristeza,
    deixando um esplendor sôbre a sua passagem.

    (Porque existe um esplendor e uma inútil beleza
    nessas mãos que desenham dentro da água sua viagem
    para fóra da natureza,

    onde não chegará nunca esta água imprecisa,
    que nasce e deslisa, que nasce e deslisa...)


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    Mensaje por Maria Lua Jue 06 Abr 2023, 21:24

    EPIGRAMA N.o 6


    NESTAS pedras caíu, certa noite, uma lágrima.
    O vento que a secou deve estar voando noutros países,
    o luar que a estremeceu tem olhos brancos de cegueira,
    — esteve sôbre ela, mas não viu seu esplendor.

    Só, com a morte do tempo, os pensamento que a choraram
    verão, junto ao universo, como foram infelizes,
    que, uma lágrima foi, naquela noite a vida inteira,
    — tudo quanto era dar, — a tudo que era opôr.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 06 Abr 2023, 21:25

    ATITUDE


    MINHA esperança perdeu seu nome...
    Fechei meu sonho, para chamá-la.
    A tristeza transfigurou-me
    como o luar que entra numa sala.

    O último passo do destino
    parará sem forma funesta,
    e a noite oscilará como um dourado sino
    derramando flores de festa

    Meus olhos estarão sôbre espêlhos, pensando
    nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

    E um campo de estrêlas irá brotando
    atrás das lembranças ardentes.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 06 Abr 2023, 21:27

    CORPO NO MAR



    ÁGUA DENSA do sonho, quem navega?
    Contra as auroras, contra as baías:
    barca imóvel, estrêla cega.

    Bate o vento na vela e não a arqueia.
    — Não foi por mim!
    Partiram-se as cordas, rodaram os mastros,
    os remos entraram por dentro da areia...

    Os remos torceram-se, e trançaram raízes.
    — Inútil forçá-los — alastram-se, fogem
    na sombra secreta de eternos países...

    Mudou-se a vela em nuvem clara!
    Choraram meus olhos, minhas mãos correram...
    — Alto e longe! — Não foi por mim.
    ..
    E apenas pára
    um corpo na barca vazia,
    à mercê das metamorfoses,
    olhos vertendo melancolia...

    O vento sopra no coração.

    Adeus a todos os meridianos!
    Deito-me como num caixão.

    Ah! sobrevive o mar no meu ouvido...
    «Marinheiro! Marinheiro!»

    (Ilhas...Pássaros...Portos... — nêsse ruído,


    — O mar...O mar!...O mar inteiro!...)

    Mas é tempo perdido!


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    Mensaje por Maria Lua Jue 06 Abr 2023, 21:30

    LUAR


    FACE do muro tão plana,
    com o sabugueiro florido.

    O luar parece que abana
    as ramagens na parede.

    A noite tôda é um zumbido
    e um florir de vagalumes.

    A bôca morre de sêde
    junto à frescura dos galhos.

    Andam nascendo os perfumes
    na sêda crespa dos cravos.

    Brota o sono dos canteiros
    como o cristal dos orvalhos.





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    Mensaje por Maria Lua Vie 07 Abr 2023, 14:48

    DIÁLOGO


    MINHAS palavras são a metade de um diálogo obscuro
    continuado através de séculos impossíveis.

    Agora compreendo o sentido e a ressonância
    que também trazes de tão longe em tua voz.

    Nossas perguntas e respostas se reconhecem
    como os olhos dentro dos espelhos. Olhos que choraram.

    Conversamos dos dois extremos da noite,
    como de praias opostas. Mas com uma voz que não se importa...

    E um mar de estrêlas se balança entre o meu pensamento e o teu.
    Mas um mar sem viagens.


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    Mensaje por Maria Lua Vie 07 Abr 2023, 14:50

    ESTRELA


    QUEM VIU aquele que se inclinou sôbre palavras trémulas,
    de relêvo partido e de contôrno perturbado,
    querendo achar lá dentro o rôsto que dirige os sonhos,
    para ver si era o seu que lhe tivessem arrancado?

    Quem foi que o viu passar com sues ímãs insones,
    buscando o polo que girava sempre no vento?
    — Seus olhos iam nos pés, destruindo tôdas as raízes líricas,
    e em suas mãos sangrava o pensamento.

    E era o seu rôsto, sim, que estava entre versos andróginos,
    prêso em círculos de ar, sôbre um instante de festa!
    Bôca fechada sob flores venenosas,
    e uma estrêla de cinza na testa.

    Bem que êle quis chamar pelo seu nome em voz muito alta,
    — mas o desejo não foi além do seu pescoço.
    E ficou diante de sua cabeça, estruturando-se
    como o frio dentro de um pôço.

    E não poude contar a ninguém seu fim quimérico.
    A ninguém. Pois a língua que fôra sua estava morta,
    e êle era um prisioneiro entre paredes transparentes,
    entre paredes transparentes, mas sem porta.

    Disto êle soube. O que nunca entendeu, porém, e o que lhe amarra
    o coração com ardents cordas de desgôsto
    é aquela estrêla de cinza — aquela estrela grande e plácida —
    derramando sombra em seu rôsto.




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    Mensaje por Maria Lua Dom 09 Abr 2023, 11:11

    DESVENTURA


    TU ÉS como o rôsto das rosas:
    diferente em cada pétala.

    Onde estava o teu perfume? Ninguém soube.
    Teu lábio sorriu para todos os ventos
    e o mundo inteiro ficou feliz.

    Eu, só eu, encontrei a gota de orvalho que te alimentava,
    como um segrêdo que cai do sonho.

    Depois, abri as mãos, — e perdeu-se.

    Agora, creio que vou morre


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    Mensaje por Maria Lua Dom 09 Abr 2023, 11:12

    NOTURNO


    VOLTO a cabeça para a montanha
    e abandono os pés para o mar.
    — Coitado de quem está sòzinho
    e inventa sonhos com que sonhar!

    Minhas tranças descem pela casa abaixo,
    entram nas paredes, vão te procurar.
    Envolvem teu corpo, beijam-te os ouvidos.
    — Querido, querido, devias voltar.

    Meus braços caminham pelas ruas quietas:
    — caminho de rios, fluidez de luar... —
    levam minhas mãos por todo o seu corpo:
    — Querido, querido, devias voltar.

    Partem os meus olhos, parte a minha bôca,
    Na noite deserta, ninguém vê passar,
    pedaço a pedaço, minha vida inteira,
    nem na tua casa me escutam chegar.

    Meu quarto vazio só pensa que durmo...

    Coitado de quem está sòzinho
    e assiste o seu próprio sonhar!


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    Mensaje por Maria Lua Dom 09 Abr 2023, 11:14

    NOÇÕES


    ENTRE MIM e mim, há vastidões bastantes
    para a navegação dos meus desejos afligidos.

    Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
    Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

    Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
    só recolho o gôsto infinito das respostas que não se encontram.

    Virei-me sôbre a minha própria existência, e contemplei-a.
    Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
    e êste abandono para além da felicidade e da beleza.

    Oh! meu Deus, isto é a minha alma:
    qualquer coisa que flutua sôbre êste corpo efêmero e precário,
    como o vento largo do oceano sôbre a areia passiva e inúmera...


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    Mensaje por Maria Lua Dom 09 Abr 2023, 11:15

    EPIGRAMA N.o 7


    A TUA RAÇA de aventura
    quis ter a terra, o céu, o mar.

    Na minha, há uma delícia obscura
    em não querer, em não ganhar.
    ..
    A tua raça quer partir,
    guerrear, sofrer, vencer, voltar.

    A minha, não quer ir nem vir.
    A minha raça quer passar



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    Mensaje por Maria Lua Lun 10 Abr 2023, 09:03

    REALEJO


    MINHA vida bela,
    Minha vida bela,
    nada mais adianta
    si não há janela
    para a voz que canta...

    Preparei um verso
    com a melhor medida:
    rôsto do universo,
    bôca da minha vida.

    Ah! mas nada adianta,
    olhos de luar,
    quando se planta
    hera no mar,

    nem quando se inventa
    um colar sem fio,
    ou se experimenta
    abraçar um rio...

    Alucinação
    da cabeça tonta!

    Tudo se desmonta
    em côres e vento
    e velocidade.
    Tudo: coração,
    olhos de luar,
    noites de saüdade.

    Aprendi comigo.
    Por isso, te digo,
    minha vida bela,
    nada mais adianta,
    si não há janela
    para a voz que canta...


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    Mensaje por Maria Lua Lun 10 Abr 2023, 09:05

    FADIGA


    ESTOU tão cansada, tão cansada,
    estou tão cansada! Que fiz eu?
    Estive embalando, noite e dia,
    um coração que não dormia
    desde que o seu amor morreu.

    Eu lhe dizia: «Deixa a morte
    levar teu amor! Não faz mal.
    É mais belo êsse heroísmo triste
    de amar uma coisa que existe
    só para morrer, afinal...»

    «Deixa a morte... Não chores... dorme!»
    Noite e dia eu cantava assim.
    Mas o coração não falava:
    chorava baixinho, chorava,
    mesmo como dentro de mim.

    Era um coração de incertezas,
    feito para não ser feliz;
    querendo sempre mais que a vida —
    — sem termo, limite, medida,
    com poucas vezes se quis.

    O tempo era ríspido e amargo.
    Vinha um negro vento do mar.
    Tudo gritava, noite e dia,
    — e nunca ninguém ouviria
    aquele coração chorar.

    Uma noite, dentro da sombra,
    dentro do chôro, a sua voz
    disse uma coisa inesperada,
    que logo correu, derramada
    num silêncio fino e veloz.

    «Meu amor não morreu: perdeu-se.
    Êle existe. Eu não o quero mais.»
    O chôro foi levando o resto.
    Eu nem pude fazer um gesto,
    e achei as horas desiguais.

    E achei que o vento era mais forte,
    que o frio causava aflição;
    quis cantar, mas não foi preciso.
    E o ar estava muito indeciso
    para dar vida a uma canção.

    A sorte virara no tempo
    como um navio sôbre o mar.
    O chôro parou pela treva.
    E agora não sei quem me leva
    daqui para qualquer lugar,

    onde eu não escute mais nada,
    onde eu não saiba de ninguém,
    onde deite a minha fadiga
    e onde murmure uma cantiga
    para ver si durmo, também.


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Lun 10 Abr 2023, 09:07

    HORÓSCOPO


    DEVIAM ser Venus
    e Júpiter, sim,
    que ao menos, ao menos,
    olhassem por mim,
    gerando caminhos
    claros e serenos
    por onde passar
    quem vinha nutrida
    de secretos vinhos,

    perdida, perdida,
    de amor e pensar.

    Saturno, porém,
    Saturno, o sombrio,
    se precipitou.

    Não sabe ninguém
    que rio, que rio
    de luto circunda
    a terra profunda
    que piso e que sou;

    que noite reveste
    o mundo em que passo
    e os mundos que penso...

    Que longo, alto, imenso,
    calado cipreste
    sobe, ramo a ramo,
    entre o meu abraço
    e o abraço que amo!


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Lun 10 Abr 2023, 09:09

    RESSUREIÇÃO


    NÃO CANTES, não cantes, porque veem de longe os náufragos,
    veem os prêsos, os tortos, os monges, os oradores, os suicidas.
    Veem as portas, de novo, e o frio das pedras, das escadas,
    e, numa roupa preta, aquelas duas mãos antigas.

    E uma vela de móvel chama fumosa. E os livros. E os escritos.
    Não cantes. A praça cheia torna-se escura e subterrânea.
    E meu nome se escuta a si mesmo, triste e falso.

    Não cantes, não. Porque era a música da tua
    voz que se ouvia. Sou morta recente, ainda com lágrimas.

    Alguém cuspiu por distração sobre as minhas pestanas.
    Por isso vi que era tão tarde.

    E deixei nos meus pés ficar o sol e andarem môscas.
    E dos meus dentes escorrer uma lenta saliva.
    Não cantes, pois trancei o meu cabelo, agora,
    e estou diante do espêlho, e sei melhor que ando fugida.



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    80


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    Mensaje por Maria Lua Mar 11 Abr 2023, 10:06

    SERENATA



    PERMITE que feche os meus olhos,
    pois é muito longe e tão tarde!
    Pensei que era apenas demora,
    e cantando pus-me a esperar-te.

    Permite que agora emudeça:
    que me conforme em ser sòzinha.
    Há uma doce luz no silêncio
    e a dôr é de origem divina.

    Permite que volte o meu rôsto
    para um céu maior que êste mundo,
    e aprenda a ser docil no sonho
    como as estrêlas no seu rumo.


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    Mensaje por Maria Lua Miér 12 Abr 2023, 09:46

    SERENATA



    PERMITE que feche os meus olhos,
    pois é muito longe e tão tarde!
    Pensei que era apenas demora,
    e cantando pus-me a esperar-te.

    Permite que agora emudeça:
    que me conforme em ser sòzinha.
    Há uma doce luz no silêncio
    e a dôr é de origem divina.

    Permite que volte o meu rôsto
    para um céu maior que êste mundo,
    e aprenda a ser docil no sonho
    como as estrêlas no seu rumo.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 13 Abr 2023, 20:46

    PRAIA


    NUVEM, caravela branca
    no ar azul do meio dia:
    — quem te viu como eu te via?

    Rolaram trovões escuros
    pela vertente dos montes.
    Tremeram súbitas fontes.

    Depois, ficou tudo triste
    como o nome dos defuntos:
    mar e céu morreram juntos.

    Vinha o vento do mar alto
    e levantava as areias,
    sem vêr como estavam cheias

    de tanta coisa esquecida,
    pisada por tantos passos,
    quebrada em tantos pedaços!

    Por onde ficou teu corpo,
    — ilusão de claridade —
    quando se fez tempestade?

    Nuvem, caravela branca,
    nunca mais há meio dia?
    (Já nem sei como te via!)


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    Mensaje por Maria Lua Jue 13 Abr 2023, 20:48

    SEREIA


    LINDA é a mulher e o seu canto,
    ambos guardados no luar.
    Seus olhos doces de pranto
    — quem os pode enxugar
    devagarinho com a bôca,
    ai!
    com a bôca, devagarinho...

    Na sua voz transparente
    giram sonhos de cristal.
    Nem ar nem onda corrente
    passuem suspiro igual,
    nem os búzios nem as violas,
    ai!
    nem as violas nem os búzios...

    Tudo pudesse a beleza,
    e, de encoberto país,
    viria alguém, com certeza,
    para fazê-la feliz,
    contemplando-lhe alma e corpo,
    ai!
    alma e corpo contemplando-lhe...

    Mas o mundo está dormindo
    em travesseiros de luar.
    A mulher do canto lindo
    ajuda o mundo a sonhar,
    com o canto que a vai matando,
    ai!
    E morrerá de cantar.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Jue 13 Abr 2023, 20:49

    ENCONTRO


    DESDE o tempo sem número em que as origens se elaboram,
    se estendem para mim os teus braços eternos,
    que um estatuário de caminhos invisíveis
    construiu com a côr e o frio e o som morto de mármores,
    para que em teu abraço haja imóveis invernos.

    Tu bem sabes que sou uma chama da terra,
    que ardentes raízes nutrem meu crescer sem termo;
    adextrei-me com o vento, e a minha festa é a tempestade,
    e a minha imagem, como jôgo e pensamento,
    abre em flor o silêncio, para enfeitar alturas e êrmo.

    Os teus braços que veem com essa brancura incalculável
    que de tão ser sem côr nem se compreende como existe,
    — são os braços finais em que cedem os corpos,
    e a alma cai sem mais nada, exausta de seu próprio nome,
    com uma improvável forma, um vão destino e um pêso triste.

    Pois eu, que sinto bem êsses teus braços paralelos,
    na atitude sem dôr que é o rumo e o ritmo dessa viagem,
    digo que não cairei com uma fadiga permitida,
    que não apagarei êste desenho puro e ardente
    com que, de fôgo e sangue, foi traçada a minha imagem.

    Eu ficarei em ti, mísera, inútil, mas rebelde,
    última estrêla só, do campo infiel aos céus escassos.
    E tu mesma acharás pasmos de lagos e de areias,
    diante da forma exígua, sustentada só de sonho
    mantendo chama e flor no gêlo dos teus braços.


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    Mensaje por Maria Lua Jue 13 Abr 2023, 20:51

    EPIGRAMA N.o 8


    ENCOSTEI-ME a ti, sabendo bem que eras sòmente onda.
    Sabendo bem que eras núvem, depús a minha vida em ti.


    Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
    fiquei sem poder chorar, quando caí.



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    84

    *******************

    EPIGRAMA Nº 8


    Me acerqué a ti, sabiendo que eras sólo ola.
    Sabiendo que eras nube, puse mi vida en ti.


    Como sabía todo eso, y me di a tu destino frágil,
    me quedé sin poder llorar, cuando caí.



    Cecilia Meireles
    (Versiones de Pedro Casas Serra)


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Vie 14 Abr 2023, 09:21

    CANTIGA


    AI! A MANHÃ primorosa
    do pensamento...
    Minha vida é uma pobre rosa
    ao vento.

    Passam arroios de côres
    sôbre a paisagem.
    Mas tu eras a flor das flôres,
    Imagem!

    Vinde ver asas e ramos,
    na luz sonora!
    Ninguém sabe para onde vamos
    agora.

    Os jardins têm vida e morte,
    noite e dia...
    Quem conhecesse a sua sorte,
    morria.

    E é nisto que se resume
    o sofrimento:
    cai a flor, — e deixa o perfume
    no vento!


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Sáb 15 Abr 2023, 19:55

    CAVALGADA


    MEU SANGUE corre como um rio
    num grande galope,
    num ritmo bravio,
    para onde acena a tua mão.

    Pelas suas ondas revôltas,
    seguem desesperadamente
    todas as minhas estrêlas soltas,
    com a máxima cintilação.

    Ouve, no tumulto sombrio,
    passar a torrente fantástica!
    E, na luta da luz com as trevas,
    todos os sonhos que me levas,
    dize, ao menos, para onde vão!



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    85


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    Mensaje por Maria Lua Dom 16 Abr 2023, 17:04

    GRILO


    ESTRELINHA de lata,
    assovio de vidro,
    no escuro do quarto do menino doente.

    A febre alarga
    os pulsos hirtos;
    mas dentro dos olhos ha um sol contente.

    Pássaro de prata
    sacudindo guisos
    no sonho mágico do menino moribundo.

    Gota amarga
    dos olhos frios,
    rolando, rolando no peito do mundo...




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    91


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    Mensaje por Maria Lua Dom 16 Abr 2023, 20:22

    IMAGEM


    MEU CORAÇÃO tombou na ' vida
    tal qual uma estrela ferida
    pela flecha de um caçador.

    Meu coração, feito de chama,
    em lugar de sangue, derrama
    um longo rio de esplendor.

    Os caminhos do mundo. agora,
    ficam semeados de aurora,
    não sei o que germinarão.

    Não sei que dias singulares
    cobrirão as terras e os mares,
    nascidos do meu coração.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Lun 17 Abr 2023, 12:42

    ACONTECIMENTO

    AQUI estou, junto à tempestade,
    chorando como uma criança
    que viu que não eram verdade
    o seu sonho e a sua esperança.

    A chuva bate-me no rosto
    e em meus cabelos sopra o vento.
    Vão-se desfazendo em desgôsto
    as formas do meu pensamento.

    Chorarei toda a noite, enquanto
    perpassa o tumulto nos ares,
    para não me veres em pranto,
    nem saberes, nem perguntares:

    «Que foi feito do teu sorriso,
    que era tão claro e tão perfeito?»
    E o meu pobre olhar indeciso
    não te repetir: «Que foi feito...?»


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    Mensaje por Maria Lua Lun 17 Abr 2023, 12:44

    EPIGRAMA N.o 9


    O VENTO voa,
    a noite tôda se atordoa,
    a fôlha cai.


    Haverá mesmo algum pensamento
    sôbre essa noite? sôbre êsse vento?
    sôbre essa fôlha que se vai?


    ______________
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    93

    ***********************







    EPIGRAMA Nº 9

    El viento vuela,
    la noche toda se aturde,
    la hoja cae.

    ¿Quedará algún pensamiento
    sobre esa noche? ¿sobre ese viento?
    ¿sobre esa hoja que se va?



    Versión: Pedro casas Serra


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Mar 18 Abr 2023, 19:24

    PROVÍNCIA


    CIDADEZINHA perdida
    no inverno denso de bruma,
    que é dos teus morros de sombra,
    do teu mar de branda espuma,

    das tuas árvores frias
    subindo das ruas mortas?
    Que é das palmas que bateram
    na noite das tuas portas?

    Pela janela baixinha,
    viam-se os círios acêsos,
    e as flores se desfolhavam
    perto dos soluços presos.

    Pela curva dos caminhos,
    cheirava a capim e a orvalho
    e muito longe as harmônicas
    riam, depois do trabalho.

    Que é feito da tua praça,
    ond a morena sorria
    com tanta noite nos olhos
    e, na bôca, tanto dia?

    Que é feito daquelas caras
    escondendo o seu segrêdo?
    Dos corredores escuros
    com paredes só de mêdo?

    Que é feito da minha vida
    abandonada na tua,
    do instante de pensamento
    deixado nalguma rua?

    Do perfume que me deste,
    que nutriu minha existência,
    e hoje é um tempo de saüdade,
    sobre a minha própria ausência?




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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Miér 19 Abr 2023, 15:42

    CANTAR


    CANTAR de beira de rio;
    água que bate na pedra,
    pedra que não dá resposta.

    Noite que vem por acaso,
    trazendo nos lábios negros
    o sonho de que se gosta.

    Pensamento do caminho
    pensando o rosto da flor
    que pode vir, mas não vem.

    Passam luas — muito longe,
    estrêlas — muito impossíveis,
    nuvem sem nada, também.

    Cantar de beira de rio:
    o mundo coube nos olhos,
    todo cheio, mas vazio.

    A água subiu pelo campo,
    mas o campo era tão triste...
    Ai!
    Cantar de beira de rio.





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