por Maria Lua Vie 30 Abr 2021, 09:23
Por mais que sacuda os cabelos,
por mais que sacuda os vestidos,
a poeira dos caminhos jaz em mim.
A poeira dos mendigos, em cinza e trapos,
dos jardins mortos de sede,
dos bazares tristes, com a seda a murchar ao sol,
a poeira dos mármores foscos,
dos zimbórios tombados,
dos muros despidos de ornatos,
saqueados num tempo vil.
A poeira dos mansos búfalos em redor das cabanas,
das rodas dos carros, em ruas tumultuosas,
do fundo dos rios extintos,
de dentro dos poços vazios,
das salas desabitadas, de espelhos baços,
a poeira das janelas despedaçadas,
das varandas em ruína,
dos quintais onde os meninozinhos
brincam nus entre redondas mangueiras.
A poeira das asas dos corvos
nutridos de poeira dos mortos,
entre a poeira do céu e da terra.
Corvos nutridos da poeira do mundo.
De poeira da poeira.
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