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    Mensaje por Maria Lua Sáb 25 Mar 2023, 20:10

    SOLIDÃO

    IMENSAS noites de inverno,
    com frias montanhas mudas,
    e o mar negro, mais eterno,
    mais terrível, mais profundo.

    Este rugido das águas
    é uma tristeza sem forma:
    sobe rochas, desce fráguas,
    vem para o mundo, e retorna...

    E a névoa desmancha os astros,
    e o vento gira as areias:
    nem pelo chão ficam rastros
    nem, pelo silêncio, estrêlas.

    A noite fecha seus lábios
    — terra e céu — guardado nome.
    E os seus longos sonhos sábios
    geram a vida dos homens.

    Geram os olhos incertos,
    por onde descem os rios
    que andam nos campos abertos
    da claridade do dia.


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
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    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    CECILIA MEIRELES ( POETA BRASILEÑA) - Página 20 Empty Re: CECILIA MEIRELES ( POETA BRASILEÑA)

    Mensaje por Maria Lua Sáb 25 Mar 2023, 20:11

    CANÇÃO



    NUNCA eu tivera querido
    dizer palavra tão louca:
    bateu-me o vento na bôca,
    e depois no teu ouvido.

    Levou sòmente a palavra,
    deixou ficar o sentido.

    O sentido está guardado
    no rosto com que te miro,
    neste perdido suspiro
    que te segue alucinado,
    no meu sorriso suspenso
    como um beijo malogrado.

    Nunca ninguém viu ninguém
    que o amor pusesse tão triste.
    Essa tristeza não viste,
    e eu sei que ela se vê bem...
    Só si aquele mesmo vento
    fechou teus olhos, também...


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 25 Mar 2023, 20:14

    EPIGRAMA N.o 3




    MUTILADOS jardins e primaveras abolidas
    abriram seus miraculosos ramos
    no cristal em que pousa a minha mão.

    (Prodigioso perfume!)

    Recompuseram-se tempos, formas, côres, vidas...

    Ah! mundo vegetal, nós, humanos, choramos
    só da incerteza da ressureição.



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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 06:49

    MURMÚRIO


    TRAZE-ME um pouco das sombras serenas
    que as nuvens transportam por cima do dia!
    Um pouco de sombra, apenas,
    — vê que nem te peço alegria.

    Traze-me um pouco da alvura dos luares
    que a noite sustenta no seu coração!
    A alvura, apenas, dos ares:
    — vê que nem te peço ilusão.

    Traze-me um pouco da tua lembrança,
    aroma perdido, saüdade da flor!
    — Vê que nem te digo — esperança!
    — Vê que nem siquer sonho — amor!


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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 06:50

    CANÇÃO



    NO DESEQUILÍBRIO dos mares,
    as proas giraram sòzinhas...
    Numa das naves que afundaram
    é que tu certamente vinhas.

    Eu te esperei todos os séculos,
    sem desespêro e sem desgôsto,
    e morri de infinitas mortes
    guardando sempre o mesmo rosto.

    Quando as ondas te carregaram,
    meus olhos, entre águas e areias,
    cegaram como os das estátuas,
    a tudo quanto existe alheias.

    Minhas mãos pararam sôbre o ar
    e endureceram junto ao vento,
    e perderam a côr que tinham
    e a lembrança do movimento.

    E o sorriso que eu te levava
    desprendeu-se e caíu de mim:
    e só talvez êle ainda viva
    dentro dessas águas sem fim


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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 06:52

    GARGALHADA


    HOMEM vulgar! Homem de coração mesquinho!
    eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
    Dobra essa orelha grosseira, e escuta
    o ritmo e o som da minha gargalhada:


    Ah! Ah! Ah! Ah!
    Ah! Ah! Ah! Ah!

    Não vês?
    É preciso jogar por escadas de mármore baixelas de ouro.
    Rebentar colares, partir espêlhos, quebrar cristais,
    vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
    destruir as lâmpadas, abater cúpolas,
    e atirar para longe os pandeiros e as liras...

    O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.

    Mas é preciso ter baixelas de ouro,
    compreendes?
    — e colares, e espêlhos, e espadas e estátuas.
    E as lâmpadas. Deus do céu!
    E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trémulas...

    Escuta bem:

    Ah! Ah! Ah! Ah!
    Ah! Ah! Ah! Ah!

    Só de três lugares nasceu até hoje esta música heróica:
    do céu que venta,
    do mar que dança,
    e de mim.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 06:53

    FIM

    Ó TEMPOS de incerta esperança
    que assim vos desacreditastes!
    Cresceram nuvens sôbre a Lua
    e o vento passou pelas hastes.

    Vinde vêr meu jardim sem flôres
    no presente nem no futuro,
    e a mão das águas procurando
    um rumo pelo solo escuro!

    Vinde ouvir a história da vida
    no sôpro da noite deserta.
    Caíram as sombra das vozes
    dentro da última estrêla aberta.

    Ai! tudo isto é letra do horóscopo...
    E só tu, Estátua, resistes!
    — Mas, embora nunca te quebres,
    terás sempre os olhos mais tristes.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 06:54

    CRIANÇA


    CABECINHA boa de menino triste,
    de menino triste que sofre sòzinho,
    que sòzinho sofre, — e resiste.

    Cabecinha boa de menino ausente,
    que de sofrer tanto se fez pensativo,
    e não sabe mais o que sente...

    Cabecinha boa de menino mudo
    que não teve nada, que não pediu nada,
    pelo mêdo de perder tudo.

    Cabecinha boa de menino santo
    que do alto se inclina sôbre a água do mundo
    para mirar seu desencanto.

    Para vêr passar numa onda lenta e fria
    a estrêla perdida da felicidade
    que soube que não possuiria.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 06:55

    DESAMPARO


    DIGO-TE que podes ficar de olhos fechados sôbre o meu peito,
    porque uma ondulação maternal de onda eterna
    te levará na exata direção do mundo humano.

    Mas no equilíbrio do silêncio,
    no tempo sem côr e sem número,
    pergunta a mim mesmo o lábio do meu pensamento:

    quem é que me leva a mim,
    que peito nutre a duração desta presença,
    que música embala a minha música que te embala,
    a que oceano se prende e desprende
    a onda da minha vida, em que estás como rosa ou barco...?


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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 06:56

    FIO


    NO FIO da respiração,
    rola a minha vida monótona,
    rola o pêso do meu coração.

    Tu não vês o jôgo perdendo-se
    como as palavras de uma canção.

    Passas longe, entre nuvens rápidas,
    com tantas estrêlas na mão...

    — para que serve o fio trêmulo
    em que rola o meu coração?


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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 06:58

    INVERNO


    CHOVEU tanto sôbre o teu peito
    que as flores não podem estar vivas
    e os passos perderam a fôrça
    de buscar estradas antigas.

    Em muita noite houve esperanças
    abrindo as asas sôbre as ondas.
    Mas o vento era tão terrível!
    Mas as águas eram tão longas!

    Pode ser que o sol se levante
    sôbre as tuas mãos sem vontade
    e encontres as coisas perdidas
    na sombra em que as abandonaste.

    Mas quem virá com as mãos brilhantes
    trazendo o seu beijo e o teu nome,
    para que saibas que és tu mesmo,
    e reconheças o teu sonho?

    A primavera foi tão clara
    que se viram novas estrêlas,
    e soaram no cristal dos mares,
    lábios azues de outras sereias.

    Vieram, por ti, músicas límpidas,
    trançando sons de ouro e de sêda.
    Mas teus ouvidos noutro mundo
    desalteravam sua sêde.

    Cresceram prados ondulantes
    e o céu desenhou novos sonhos,
    e houve muitas alegorias
    navegando entre Deus e os homens.

    Mas tu estavas de olhos fechados
    prendendo o tempo em teu sorriso.
    E em tua vida a primavera
    não poude achar nenhum motivo...


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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 06:59

    EPIGRAMA N.o 4

    O CHÔRO vem perto dos olhos
    para que a dôr transborde e caia.
    O chôro vem quasi chorando
    como a onda que toca na praia.

    Descem dos céus ordens augustas
    e o mar chama a onda para o centro.
    O chôro foge sem vestígios,
    mas levando náufragos dentro.



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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 09:01

    iNSCRIÇÃO NA AREIA

    o MEU AMOR não tem
    importância nenhuma.
    Não tem o peso nem
    de uma rosa de espuma!

    Desfolha-se por quem?
    Para quem se perfuma?

    O meu amor não tem
    importância nenhuma.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 27 Mar 2023, 18:09

    Ela CANTA

    DE QUE ONDA sai tua voz,
    que ainda vem úmida e trêmula,
    - corpo de cristal,
    - coração de estrela ... ?

    Tua voz, planta marinha,
    árvore crespa e orvalhada:
    - ramos transparentes,
    - folhas de prata? ...

    E de onde vai resvalando um puro,
    límpido orvalho:
    durável resina, 1
    - doloridá lágrima ... ?


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    Mensaje por Maria Lua Mar 28 Mar 2023, 09:27

    Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
    a que não se recusa a esse final convite,
    em máquinas de adeus, sem tentação de volta.

    Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
    Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
    já de horizontes libertada, mas sozinha.

    Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
    dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho?
    Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.

    Pêlos mundos do vento, em meus cílios guardadas
    vão as medidas que separam os abraços.
    Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:

    «Agora és livre, se ainda recordas».



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    Mensaje por Maria Lua Miér 29 Mar 2023, 09:31

    ORFANDADE



    A MENINA de preto ficou morando atrás do tempo,
    sentada no banco, debaixo da árvore,
    recebendo todo o céu nos grandes olhos admirados.

    Alguém passou de manso, com grandes nuvens no vestido,
    e parou diante dela, e ela, sem que ninguém falasse,
    murmurou: «A MAMÃE MORREU».

    Já ninguém passa mais, e ela não fala mais, também.
    O olhar caíu dos seus olhos, e está no chão, com as outras pedras,
    escutando na terra aquele dia que não dorme
    com as três palavras que ficaram por alí.


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    y en ese vuelo y en ese sueño
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    Mensaje por Maria Lua Miér 29 Mar 2023, 09:32

    ALVA



    DEIXEI meus olhos sòzinhos
    nos degraus da sua porta.
    Minha bôca anda cantando,
    mas todo o mundo está vendo
    que a minha vida está morta.

    Seu rosto nasceu das ondas
    e em sua bôca há uma estrêla.
    Minha mão viveu mil vidas
    para uma noite encontrá-la
    e noutra noite perdê-la.

    Caminhei tantos caminhos,
    tanto tempo e não sabia
    como era fácil a morte
    pela seta do silêncio
    no sangue de uma alegria.

    Seus olhos andam cobertos
    de côres da primavera.
    Pelos muros de seu peito,
    durante inúteis vigílias,
    desenhei meus sonhos de hera.

    Desenho, apenas, do tempo,
    cada dia mais profundo,
    roteiro do pensamento,
    saüdade das esperanças
    quando se acabar o mundo...


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Miér 29 Mar 2023, 09:34

    CANTIGUINHA


    MEUS OLHOS eram mesmo água,
    — te juro —
    mexendo um brilho vidrado,
    verde-claro, verde-escuro.

    Fiz barquinhos de brinquedo,
    — te juro —
    fui botando todos êles
    naquele rio tão puro.

    .....................
    Veiu vindo a ventania,
    — te juro —
    as águas mudam seu brilho,
    quando o tempo anda inseguro.

    Quando as águas escurecem,
    — te juro —
    todos os barcos se perdem,
    entre o passado e o futuro.

    São dois rios os meus olhos,
    — te juro —
    noite e dia correm, correm,
    mas não acho o que procuro.





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    Mensaje por Maria Lua Jue 30 Mar 2023, 20:16

    "Nós e as sombras"



    E em redor da mesa, nós, viventes,

    comíamos e falávamos, naquela noite estrangeira,

    e em nossas sombras pelas paredes

    moviam-se, aconchegadas como nós,

    e gesticulavam, sem voz.



    Éramos duplos, éramos tríplices, éramos trêmulos,

    à luz dos bicos de acetilene,

    pelas paredes seculares, densas, frias,

    e vagamente monumentais.

    Mais do que as sombras éramos irreais.



    Sabíamos que a noite era um jardim de neve e lobos.

    E gostávamos de estar vivos, entre vinhos e brasas,

    muito longe do mundo,

    de todas as presenças vãs

    envoltos em ternura e lãs.



    Até hoje pergunto pelo singular destino

    das sombras que se moveram juntas, pelas mesmas paredes…

    Oh!, as sem saudades, sem pedidos, sem respostas…

    Tão fluidas! Enlaçando-se e perdendo-se pelo ar…

    Sem olhos para chorar…


    ***********************



    Nosotros y las sombras




    Y alrededor de la mesa, nosotros los vivientes,
    comíamos y hablábamos, en aquella noche extranjera,

    y nuestras sombras por las paredes

    se movían acompañadas como nosotros,

    y gesticulaban, sin voz.




    Eramos dobles, éramos triples, éramos trémulos,

    a la luz de los mecheros de acetileno,

    por las paredes seculares, densas y frías,

    y vagamente prodigiosas.

    Más que las sombras éramos irreales.



    Sabíamos que la noche era un jardín de lobos y de nieve.

    Y nos gustaba estar vivos, entre vinos y brasas,

    muy lejos del mundo,

    de toda presencia vana

    envueltos en mantas y ternura.



    Hoy todavía me pregunto por el singular destino

    de las sombras que se movieron juntas, por las mismas paredes.

    ¡Oh!, las sin melancolías, sin peticiones, sin respuestas...

    ¡Tan evasivas!, enlazándose y perdiéndose por el aire.

    Son ojos para llorar...



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    Mensaje por Maria Lua Vie 31 Mar 2023, 16:44

    TERRA


    DEUSA dos olhos volúveis
    pousada na mão das ondas:
    em teu colo de penumbras,
    abri meus olhos atónitos.
    Surgi do meio dos túmulos,
    para aprender o meu nome.

    Mamei teus peitos de pedra
    constelados de prenúncios.
    Enredei-me por florestas,
    entre cânticos e musgos.
    Soltei meus olhos no eléctrico
    mar azul, cheio de músicas.

    Desci na sombra das ruas,
    como pelas tuas veias:
    meu passo — a noite nos muros —
    casas fechadas — palmeiras —
    cheiro de chácaras húmidas —
    sono da existência efêmera.

    O vento das praias largas
    mergulhou no teu perfume
    a cinza das minhas máguas.
    E tudo caíu de súbito,
    junto com o corpo dos náufragos,
    para os invisíveis mundos.

    Vi tantos rôstos ocultos
    de tantas figuras pálidas!
    Por longas noites inúmeras,
    em minha assombrada cara
    houve grandes rios mudos
    como os desenhos dos mapas.

    Tinhas os pés sobre flôres,
    e as mãos prêsas, de tão puras.
    Em vão, suspiros e fomes
    cruzavam teus olhos múltiplos,
    despedaçando-se anônimos,
    diante da tua altitude.

    Fui mudando minha angústia
    numa fôrça heróica de asa.
    Para construir cada músculo,
    houve universos de lágrimas.
    Devo-te o modêlo justo:
    sonho, dor, vitória e graça.

    No rio dos teus encantos,
    banhei minhas amarguras.
    Purifiquei meus enganos,
    minhas paixões, minhas dúvidas.
    Despi-me do meu desânimo —
    fui como ninguém foi nunca.

    Deusa dos olhos volúveis,
    rôsto de espêlho tão frágil,
    coração de tempo fundo,
    — por dentro das tuas máscaras,
    meus olhos, sérios e lúcidos,
    viram a beleza amarga.

    E êsse foi o meu estudo
    para o ofício de ter alma;
    para entender os soluços,
    depois que a vida se cala.
    — Quando o que era muito é único
    e, por ser único, é tácito.


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    Mensaje por Maria Lua Vie 31 Mar 2023, 16:46

    ÊXTASE


    DEIXA-TE estar embalado no mar noturno
    onde se apaga e acende a salvação.

    Deixa-te estar na exalação do sonho sem forma:
    em redor do horizonte, vigiam meus braços abertos,
    e por cima do céu estão pregados meus olhos, guardando-te.

    Deixa-te balançar entre a vida e a morte, sem nenhuma saüdade.
    Deslisam os planetas, na abundância do tempo que cai.
    Nós somos um tênue pólen dos mundos...

    Deixa-te estar neste embalo de água geando círculos.
    Nem é preciso dormir, para a imaginação desmanchar-se em figuras
    ambíguas.

    Nem é preciso fazer nada, para se estar na alma de tudo.

    Nem é preciso querer mais, que vem de nós um beijo eterno
    e afoga a bôca da vontade e os seus pedidos...





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    Mensaje por Maria Lua Sáb 01 Abr 2023, 10:09

    SOM


    ALMA divina,
    por onde me andas?
    Noite sòzinha,
    lágrimas, tantas!

    Que sôpro imenso,
    alma divina,
    em esquecimento
    desmancha a vida!

    Deixa-me ainda
    pensar que voltas,
    alma divina,
    coisa remota!

    Tudo era tudo
    quando eras minha,
    e eu era tua,
    alma divina!


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 01 Abr 2023, 10:10

    GUITARRA


    PUNHAL de prata já eras,
    punhal de prata!
    Nem fôste tu que fizeste
    a minha mão insensata.

    Vi-te brilhar entre as pedras,
    punhal de prata!
    — no cabo, flores abertas,
    no gume, a medida exata,

    a exata, a medida certa,
    punhal de prata,
    para atravessar-me o peito
    com uma letra e uma data.

    A maior pena que eu tenho,
    punhal de prata,
    não é de me ver morrendo,
    mas de saber quem me m




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    Mensaje por Maria Lua Dom 02 Abr 2023, 09:41

    DISTÂNCIA



    QUANDO o sol ia acabando
    e as águas mal se moviam,
    tudo que era meu chorava
    da mesma melancolia.
    Outras lágrimas nasceram
    com o nascimento do dia:
    só de noite esteve sêco
    meu rosto sem alegria.
    (Talvez o sol que acabara
    e as águas que se perdiam
    transportassem minha sombra
    para a sua companhia...)
    Oh!
    mas nem no sol nem nas águas
    os teus olhos a veriam...
    — que andam longe, irmãos da lua,
    muito clara e muito fria...


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    Mensaje por Maria Lua Dom 02 Abr 2023, 09:42

    EPIGRAMA N.o 5


    GOSTO de gota d'água que se equilibra
    na fôlha rasa, tremendo ao vento.

    Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra:
    e ela resiste, no isolamento.

    Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto:
    pronto a cair, pronto a ficar — límpido e exato.

    E a fôlha é um pequeno deserto
    para a imensidade do acto.



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    Mensaje por Maria Lua Dom 02 Abr 2023, 19:16

    CAMPO


    CAMPO da minha saüdade:
    vai crescendo, vai subindo,

    de tanto jazer sem nada.
    Desvêlo mudo e contínuo

    que vai revestido os montes
    e estendendo outros caminhos.

    Mergulhada em suas frondes,
    a tristeza é uma esperança

    bebendo a vazia sombra.
    Águas que vão caminhando

    dispersam nos mares fundos
    mel de beijo e sal de pranto.

    Levam tudo, levam tudo
    agasalhado em seus braços

    Campo imenso — com o meu vulto...
    E ao longe cantam os pássaros.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 03 Abr 2023, 09:33

    RIMANCE



    ONDE é que dói na minha vida,
    para que eu me sinta tão mal?
    quem foi que me deixou ferida
    de ferimento tão mortal?
    Eu parei diante da paisagem:
    e levava uma flor na mão.

    Eu parei diante da paisagem
    procurando um nome de imagem
    para dar à minha canção.
    Nunca existiu sonho tão puro
    como o da minha timidez.

    Nunca existiu sonho tão puro,
    nem também destino tão duro
    como o que para mim se fez.
    Estou caída num vale aberto,
    entre serras que não teem fim.
    Estou caída num vale aberto:
    nunca ninguém passará perto,

    nem terá notícias de mim.
    Eu sinto que não tarda a morte,
    e só há por mim esta flor:
    eu sinto que não tarda a morte
    e não sei com é que suporte
    tanta solidão sem pavor.

    E sofro mais ouvindo um rio
    que ao longe canta pelo chão,
    que deve ser límpido e frio,
    mas sem dó nem recordação,
    como a voz cujo murmúrio
    morrerá com o meu coração.


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    Mensaje por Maria Lua Mar 04 Abr 2023, 17:37

    RENÚNCIA

    RAMA das minhas árvores mais altas,
    deixa ir a flor! que o tempo, ao desprendê-la,
    roda-a no molde de noites e de albas
    onde gira e suspira cada estrêla.

    Deixa ir a flor! deixa-a ser asa, espaço,
    ritmo, desenho, música absoluta,
    dando e recuperando o corpo esparso
    que, indo e vindo, se observa, e ordena, e escuta...

    Falo-te, por saber o que é perder-se.
    Conheço o coração da primavera,
    e o dom secreto do seu sangue verde,
    que num breve perfume existe e espera.

    Vertí para infinitos desamparos
    tudo que tive no meu pensamento.
    Por onde anda? No abismo. Dada ao vento...
    Era a flor dos instantes mais amargos.



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    Mensaje por Maria Lua Miér 05 Abr 2023, 15:04

    VINHO


    A TAÇA foi brilhante e rara,
    mas o vinho de que bebí
    com os meus olhos postos em ti,
    era de total amargura.

    Desde essa hora antiga e preclara,
    insensìvelmente descí,
    e em meu pensamento sentí
    o desgôsto de ser criatura.

    Eu sou de essência etérea e clara:
    no entanto, desde que te ví,
    como que desapareci...
    Rondo triste, à minha procura.

    A taça foi brilhante e rara:
    mas, com certeza enlouquecí.
    E dêsse vinho que bebí
    se originou minha loucura


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    Mensaje por Maria Lua Miér 05 Abr 2023, 15:05

    VALSA


    FEZ TANTO luar que eu pensei nos teus olhos antigos
    e nas tuas antigas palavras.
    O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos
    que tormei a viver contigo enquanto o vento passava.

    Houve uma noite que cintilou sôbre o teu rosto
    e modelou tua voz entre as algas.
    Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
    e estudo apenas o ar e as águas.

    Coitado de quem pôs sua esperança
    nas praias fóra do mundo...
    — Os ares fogem, viram-se as águas,
    mesmo as pedras, com o tempo, mudam.




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    "Ser como un verso volando
    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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